Arnaldo Jabor, um cineasta brasileiro

HERNANI HEFFNER

Arnaldo Jabor pertenceu à geração de cineastas e cronistas que buscaram compreender o Brasil e modificá-lo em alguma medida. Integrante de primeira hora do grupo do Cinema Novo, destacou-se um pouco mais tarde como um dos realizadores brasileiros mais intensos, enérgicos e provocativos da segunda metade do século 20. 

Marcado pela perplexidade diante da realidade social e política imediata, a qual retratou com tintas de raiva e violência misturadas com melancolia, fez do cinema e da escrita literária suas formas  de expressão privilegiadas, com incursões ainda ao teatro e televisão principalmente, tornando-se sobretudo um homem de mídia a partir dos anos 1990.

Carioca nascido em 1940, sua aproximação ao mundo do cinema se deu através das sessões de cineclubes e da Cinemateca do MAM, ainda ao tempo do auditório da ABI. Na passagem aos tumultuados anos 60 já estava integrado ao grupo do Cinema Novo, participando como tradutor do famoso curso de Arne Sucksdorff, ponto de partida para a chamada segunda geração do movimento. Atua como técnico de som por um tempo, gravando por exemplo, o som direto do clássico “Maioria absoluta” (1964), de Leon Hirszman, e trabalhando como narrador de um dos últimos filmes do INCE, “O monumento” (1965), e um dos primeiros do INC, “O primeiro salto” (1965). Logo passa à direção, sua vocação maior, estreando com dois curtas metragens, que introduzem o uso da cor nos filmes do grupo: “O circo” e “Rio, capital mundial do cinema”, filme restaurado pela Cinemateca.

Ao contrário da maior parte dos cinemanovistas, que miravam a ficção, Jabor dedica-se no começo da carreira, sob a influência do Cinema Direto, ao documentário. Realiza o longa documental de maior sucesso do Cinema Novo, “Opinião pública” (1967), uma análise da classe média brasileira, desenvolvida sob o impacto do golpe de estado de 1964. Filme controverso e de grande experimentação técnica, dá início às suas análises da crise brasileira, concebido como uma expressão das contradições sociais, econômicas e políticas do país.

Jabor estabelece movimentos internos nessa análise ao longo de sua filmografia ficcional, migrando do país (“Pindorama”) para a coletividade/classes sociais (“Toda nudez será castigada”), a família (“O casamento e “Tudo bem”), dois casais (“Eu te amo”), até chegar a apenas um casal em “Eu sei que vou te amar” (1986), premiado no Festival de Cannes. Além da atomização, desenvolve diálogos com a obra de Nelson Rodrigues, o erotismo libertário e a crescente influência da televisão, entre outros temas que atravessam sua dramaturgia ao mesmo tempo clínica, sofisticada e ferina.

Com o crise da área cinematográfica na virada para os anos 90, provocada pelo governo Collor de Mello, transfere sua atividade para o campo do jornalismo, escrevendo crônicas e atuando como comentarista político na televisão aberta, incorporando, em certa medida, o estilo e escola de um Paulo Francis, a quem sucedeu na Rede Globo de Televisão.

Retornaria ao cinema de forma isolada com o autobiográfico “A suprema felicidade” (2010), em que examina sua infância e adolescência, assim como o ambiente familiar e formativo que o moldou para as artes. 

Arnaldo Jabor marcou o cinema brasileiro com alguns clássicos, como “Toda nudez será castigada” (1972), a intensidade de sua personalidade e atuação e uma preocupação pioneira em sua geração com a preservação de sua obra, que sobreviveu completa. Quando do  relançamento em DVD, supervisionou pessoalmente a remasterização dos negativos originais, fazendo desse momento o balanço definitivo de sua contribuição audiovisual ao cinema brasileiro e ao Brasil.

A Cinemateca do Museu de Arte Moderna, casa onde foi espectador, realizador e depositante, rende homenagem à sua trajetória e à sua presença na arte brasileira.

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