Entrevista com Anita Loos (1917)

O manuscrito na tela

KARL SCHMIDT

Existem aqueles que advogam que o roteiro ideal será efetuado do começo ao fim sem qualquer subtítulo de comentário ou explicação.

Douglas Fairbanks acha o contrário. Bastou que ele se livrasse de questões processuais – uma ação por quebra de contrato – e ele contratou imediatamente uma redatora de subtítulos especialista, Anita Loos, para fazer os roteiros dos filmes que ele mesmo produz.

“Muitas vezes”, afirma o Sr. Fairbanks, “fui junto com a Srta. Loos em sessões e ouvi a plateia aplaudir seus subtítulos tão intensamente quanto as cenas mais agitadas. Isso me convenceu do grande valor do gênero de trabalho que ela faz.”

Srta. Loos começou a escrever subtítulos (1) principalmente porque descobriram que seus roteiros, quando filmados ou “rodados”, como fala a gente de cinema, perdiam muito de sua originalidade. Havia uma concordância geral de que seus roteiros eram melhores do que os filmes feitos a partir deles. O roteiro parece ser incomum; o filme não aparenta nada disso. Aos poucos, parte dos roteiros começou a aparecer na tela em forma de subtítulos, e dessa forma uma parte incidental do trabalho de Srta. Loos começou a dominar.

Durante a apresentação de um astro da pantomima, comentou-se que os bastidores ficaram muito animados nos intervalos graças aos bate-bocas profissionais de artistas cujo trabalho os privava da linguagem verbal. Foi como se os atores precisassem desse condutor para línguas abafadas.

Tampouco o silêncio forçado da tela torna os intérpretes diante da câmera meras marionetes. Por meio de seus agentes profissionais, eles não só falam bastante, mas falam muitas vezes em uma linguagem nova. A maioria das pessoas conhece alguma coisa desse jargão dos estúdios. Muitos estão familiarizados com o medonho close-up e sabem que o diretor é um gerente de palco do nível de um czar que pode destruir ou criar carreiras apenas com sua vontade. Mas apenas aos iniciados é dado conhecer continuidade, locações, cut-in, fusões, fades, fechamento de íris, títulos e subtítulos.

O subtítulo começou a ficar em voga só nos últimos anos. Ele difere do título – as palavras entre cenas que descrevem a ação do filme que está por vir – no sentido de que ele não está lá por razões de comércio. Ele é destinado apenas para as plateias, e ainda que às vezes apareça como as falas supostas dos personagens do filme, ele pode também ser um mero comentário fora da história e dirigido à plateia, como o aparte do teatro das gerações passadas.

Títulos e subtítulos ganham a atenção completa da plateia. Frequentemente no drama falado, uma deixa engraçada se perde por conta da distração de muitas coisas. Ninguém perde as deixas da tela.

Em O Nascimento de uma Nação e em Intolerância, a maior parte da controvérsia foi causada pelos subtítulos. Apenas um no segundo filme – uma paráfrase de Anita Loos de uma citação de Voltaire – ocasionou um protesto do Clube de Senhoras de Los Angeles e atiçou os censores facilmente agitáveis da Pensilvânia.

Anita Loos não escreveu subtítulos apenas para os filmes de Griffith, ela escreveu também diversos para Douglas Fairbanks e suas cruzadas triunfantes contra a vilania.

“Meu subtítulo mais popular apresentava o nome de um novo personagem”, confessou Srta. Loos. “O nome era algo assim: Conde Xxerkzsxxv. E depois havia um comentário, ‘Para aqueles entre vocês que leem os subtítulos em voz alta, vocês não conseguem pronunciar o nome dele. Só conseguem pensá-lo.’”.

Assim, fica claro que não há necessidade de o subtítulo se encaixar na história. Um redator de subtítulos exerce uma influência editorial, e, como a escrita jornalística, essa função de escrever para a tela é particularmente efêmera.

Num dado momento de um filme de Fairbanks, ou “Doug”, como o mundo inteiro o conhece, acalma um grupo de vinte ou mais operários revoltados contando a eles uma história engraçada. Isso deu à Srta. Loos a oportunidade de escrever em palavras tocantes:

“Gostaríamos de partilhar com vocês essa história, mas só o próprio Doug seria capaz de contá-la.”

Nos alfarrábios do teatro existe a história de “Funcionário 666” (2), que funcionava de modo nada convincente nos ensaios porque era encenada como um melodrama, e que atingiu sucesso na primeira noite porque os atores transformaram a peça em uma farsa. De acordo com Srta. Loos, isso não é incomum no cinema: “Muitas vezes um roteiro pensado como drama torna-se cômico pela invenção de subtítulos que ‘zombam’ da história.”

Srta. Loos não escreveu apenas subtítulos. Ela escreveu muitos roteiros. De fato, sua apresentação ao cinema se deu por meio de um roteiro enviado ao leste quando ela era ainda uma colegial. Ainda que não conte muitos anos de prática, a carreira de Anita Loos é cheia de surpresas.

“Comecei a escrever cedo”, confessa, “e eu creio ter uma particularidade: as primeiras coisas que eu escrevi foram para uma coluna de jornal novaiorquino chamada ‘Rondando Manhattan’ ou algo do tipo. Fico me perguntando se o editor aceitaria meu trabalho se soubesse que eu nunca tinha saído da Califórnia e que só viria a conhecer Nova York anos depois?”

“Sempre tive sorte de principiante. Vendi meu primeiro escrito, meu primeiro esquete de teatro de revista, meu primeiro roteiro; e agora acabei de vender o meu primeiro conto. Griffith dirigiu meu primeiro roteiro, O Chapéu de Nova York, com Mary Pickford e Lionel Barrymore.”

“Imagino que eu tenha escrito 200 roteiros antes de ver os interiores de um estúdio, e até eu viajar para a costa para ver Griffith nos estúdios Triangle, eu era apenas uma colaboradora externa. Griffith conhecia meu nome, mas quando eu apareci ele quase caiu para trás. Estava com o cabelo para trás e vestida como a menina caipira que eu era.”

“Esse foi o início do meu trabalho dentro dos estúdios. Depois que eu aprendi mais coisas sobre o trabalho técnico, estou mais do que nunca convencida com as grandes possibilidades do cinema. Ele tem um futuro maravilhoso. Agora os filmes lidam com trivialidades. Mas vão superar isso – e aí creio que vou sair de fininho.”

“Agora nunca fico entediada, mas ficaria se o cinema não tivesse aparecido. Eu morava numa cidade pequena da Califórnia. Não podia sair, mesmo tendo ameaçado meus pais com um casamento seguido de fuga, como forma de ver o mundo.”

“Eu li todos os livros da biblioteca da cidade. Quando terminei de ler os livros em inglês, aprendi francês e alemão para ler os poucos livros estrangeiros que existiam na biblioteca. Não é meu mérito ter lido muito. Minha leitura me ajudou na minha escrita, ainda que eu não tenha lido buscando informação ou entretenimento, mas, como Flaubert aconselha em uma de suas cartas, ‘Eu lia para viver’”.

Que uma roteirista e redatora de subtítulos que cresceu na era do cinema conheça Voltaire e Flaubert é surpreendente; mas a Srta. Loos não é exatamente o modelo de gente do cinema mais convencional para uma entrevista.

Everybody’s Magazine, maio de 1917, vol 36, nº5, pp. 622-623

Tradução: Ruy Gardnier

(1) O termo usado no original é “subtitle”, palavra usada nos dias de hoje para fazer referência às legendas. A palavra consagrada no português brasileiro para esse tipo de cartela é “intertítulo”, mas preferimos manter “subtítulo” no texto por questão de fidelidade com os usos da época.

(2) “Officer 666” é uma peça de teatro de Augustin MacHugh que fez bastante sucesso na Broadway em 1912. A peça foi adaptada para o cinema em 1916 por Fred Niblo, numa produção australiana, e depois em Hollywood em 1920, por Harry Beaumont.

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