Homenagem a Carlos de la Riva

Um dos maiores mixadores da história do cinema brasileiro, De la Riva foi dono do estúdio Tecnisom, que funcionou no MAM entre 1965 e 1978

HERNANI HEFFNER

Faleceu neste 11 de agosto de 2020, aos 89 anos, o espanhol Carlos de la Riva Saez, mais conhecido em cinema como Carlos de la Riva. Nascido em Barcelona, De la Riva foi um dos maiores mixadores da história do cinema brasileiro e fundador do estúdio Tecnisom, que funcionou no MAM entre 1965 e 1978.

A família De la Riva sempre esteve envolvida com som e, como bons catalães, todos se chamam Carlos de la Riva. O que varia e identifica cada um é o último nome. Carlos de la Riva Tayan, pai do De la Riva que fez parte da história do MAM e da Cinemateca, criou o primeiro estúdio de som da Espanha em 1929 e propiciou o início do cinema sonoro no país. Quando Franco chega ao poder em 1936, a família, antifascista, se muda para a França, onde continua trabalhando com som para cinema. Mas, em 1940, quando os nazistas invadem a França e Paris, a família se vê obrigada a fugir e a voltar para a Espanha.

Data desta fuga a mais antiga lembrança do menino Saez, que ficou fascinado com os ataques aéreos à caravana de pessoas que procuravam sair do país. Muitos anos depois,  Saez assumiu o estúdio do pai na Espanha, mas o horror a Franco fez com que ele decidisse imigrar para o Brasil, seguindo uma dica. Por aqui, os atores tinham conseguido uma lei que obrigava as emissoras de televisão a dublar séries estrangeiras em português. As TVs, na época ao vivo, estavam substituindo os teleteatros por séries americanas em 16m. Para os atores, a dublagem era uma forma de compensar o mercado perdido.

Havia poucos estúdios de dublagem no país. De la Riva montou o primeiro, ainda com o nome do estúdio de seu pai, Rivaton. Depois vieram os estúdios da Cine Castro, Odil-Fono-Brasil, AIC, Alamo e, finalmente, Herbert Richers.

Ele dublou séries como Bat Masterson e os Intocáveis. Mas seu sonho era voltar a trabalhar com o cinema de longa-metragem. Por sugestão do recém-indicado diretor da Cinemateca, Cosme Alves Netto, o MAM, que estava na gestão de Maurício Roberto, topou ceder um espaço para a instalação de um grande estúdio de som (onde hoje fica a reserva técnica de filmes, perto da cabine de projeção), que se chamaria Tecnisom.

Trabalhando com seu grande parceiro, o ruideiro (foley) – e mais tarde técnico de som direto – Walter Goulart, e com a ponte feita por Cosme entre De la Riva e o pessoal do Cinema Novo, que frequentava as sessões e a cantina do museu, a Tecnisom deslanchou como o grande estúdio de finalização de som do movimento na segunda metade dos anos 1960.

A extrema sensibilidade auditiva, rigor técnico e arrojo artístico de De la Riva fez toda a diferença para a melhoria da qualidade final da trilha sonora do filme brasileiro. Ele mesmo considerava “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” sua melhor mixagem, e a seqüência do duelo entre Antônio das Mortes e Coirana, com as cantadeiras em volta, seu melhor trabalho. O impacto do filme acabou dando a Glauber Rocha o prêmio de direção no Festival de Cannes.

A parceria entre a Cinemateca do MAM e a Tecnisom também foi fundamental para o apoio ao nascente movimento do curta-metragem nacional, já que a Cinemateca se tornava co-produtora dos filmes, barateando os custos, justamente porque De la Riva fazia o serviço praticamente a preço de custo. A parceria perdurou até o incêndio em 1978, quando o estúdio mudou-se. Mais tarde ele foi renomeado para Delart, evidenciando a parceria entre os dois grandes técnicos (De la Riva e Goulart).

De la Riva prosseguiu mixando filmes brasileiros até o início dos anos 2000, tarefa que reservava para si, deixando aos demais técnicos os serviços de dublagem. Vez por outra, assumia algum filme estrangeiro que o atraísse. Foi o caso de “Guerra nas Estrelas”, um marco dos efeitos sonoros. E a dublagem comandada por ele teve grande repercussão, chegando até o conhecimento de George Lucas, que o convidou a conhecer o famoso Skywalker Sound Studio. Como homenagem, De La Riva acabaria gravando “uns sons” para um personagem secundário de “O império contra-ataca”.

Localizado atualmente na Tijuca, a Delart (https://delart.com.br/) mantém um estúdio de excelência na área de som, podendo mixar um filme até em Dolby Atmos. Sempre procurando saber como estava a Cinemateca, De la Riva esteve uma última vez no museu em 2018 para uma visita guiada particular à exposição Galáxias do Cinema, dedicada àquilo que ele mais amou na vida: a tecnologia de cinema. No circuito estavam alguns equipamentos da Delart, cedidos para a exposição, e que depois, a pedido dele e de seu filho Carlos de la Riva Goded, atual diretor do estúdio de som, ficaram em comodato no acervo da Cinemateca do MAM.

Hernani Heffner é gerente da Cinemateca do MAM.



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