Grandes nomes da animação brasileira em cartaz na Cinemateca do MAM

MARCELO MARÃO

A animação brasileira completa este ano cento e quatro anos de existência. Porém, nos últimos quinze anos se deu um crescimento em progressão geométrica sem paralelo com qualquer outra faceta do audiovisual nacional. Graças à combinação do festival Anima Mundi, a criação da ABCA e as leis de incentivo e mecanismos de fomento da última década e meia, a animação brasileira – focada nos seus primeiros 90 anos em publicidade e curtas autorais pontuais – explodiu em múltiplas direções: atualmente há mais de 40 longas animados em plena produção e mais de 50 séries animadas em exibição.

O longa e a série não são uma evolução do curta, mas um caminho distinto e essencial que deve ser percorrido em concomitância. É crucial e muitíssimo saudável para a arte e para a indústria mutuamente que haja o contínuo estímulo aos curtas autorais assim como o fomento aos longas e séries de TV. O mercado e os profissionais se nutrem uns dos outros nas experiências narrativas e estéticas tanto quanto na logística de produção, de estruturação de equipe, de formação (acadêmica ou empírica), de distribuição e exibição em formatos e direções que não existiam há muito pouco tempo.

O caráter industrial mescla a originalidade e autoralidade de séries e longas de animação brasileiros (oriundos de pessoas que se interessaram e se formaram no mundo da animação através de sessões no Anima Mundi) tanto quanto da compreensão e concordância da necessidade de uma verba justa e cronograma adequado para a equilibrada e correta dedicação à confecção de um curta metragem. As produções de obras tão idiossincraticamente ligadas aos realizadores e realizadoras do Brasil – como os nove curtas de animação que integram estas duas sessões voltadas ao público infantil evidenciam quão única é a voz da animação brasileira e como a essa voz (e traço) pode falar a diversas gerações de variados povos.

Calango LEngo, de Fernando Miller.

Macacada, de Thomas Larson.

Josué e o pé de macaxeira, de Diogo Vegas.

A programação se inicia com CALANGO LENGO, o filme de estréia do respeitado e virtuoso carioca Fernando Miller, um profissional capaz de desenhar em qualquer traço e de animar em qualquer estilo – qual um ator que domina desde o drama até a comédia com igual competência e espontaneidade – e que praticamente fez um tratado de mestrado empírico sobre Tom e Jerry adaptados ao Nordeste brasileiro, com inúmeras referências gráficas, técnicas e narrativas, desde as gags visuais e a pantomima dos anos 40 até a analogia da perseguição de gato-e-rato nos personagens do calango e da morte e a formidável participação – como a emocionante voz de Nossa Senhora – de Chica Xavier, um das maiores nomes da teledramaturgia nacional de todos os tempos.

Thomas Larson é um respeitável caso de uma chargista do interior de SP que alterna sua produção entre filmes de cunho político e séries voltadas à primeira infância extremamente originais, autênticas e divertidíssimas. MACACADA faz parte de uma série de videoclipes animados para o belíssimo projeto musical de Duda Larson, irmão do diretor e parceiro em todas as produções. Mutuamente fraternais na vida e nas obras, afeto que transparece nas animações.

A premiada animação JOSUÉ E O PÉ DE MACAXEIRA se nutre do imaginário de contos de fadas e adapta a fábula de João e o Pé de Feijão ao território nacional, com uma ágil e divertida narrativa, embalada pela empolgante trilha sonora de Léo Mendes, um dos mais conhecidos compositores do cinema de animação brasileiro.

DIÁRIO DE AREIA e POR QUE O CORAÇÃO BATE RÁPIDO são dois belíssimos representantes da animação mineira, ambos de nomes envolvidos com a UFMG, que tem o curso mais antigo de especialização em animação no Brasil: a talentosíssima Sarah Guedes, exímia diretora de arte capaz de pintar acachapantes cenários e a multifacetada dupla Simon Brethé & Débora Ávila, que dividem o tempo entre atividades acadêmicas e a produção autoral.

QUANDO A CHUVA VEM é um tocante curta em stop motion do desbravador pernambucano Jefferson Batista, que com muita garra desbravou sua estrada na animação de forma autodidata e que ingressou na área fazendo seu próprio filme, que simbolicamente representa também uma heróica luta de sobrevivência. A realizadora Tina Xavier – do Mato Grosso do Sul – integra a Mostra com o delicioso curta MARIQUINHA NO MUNDO DA IMAGINAÇÃO, criado no Projeto de Extensão Brincar de Fazer Cinema com Crianças.

Com um perfil parcialmente similar, VENTO VIAJANTE também foi produzido em parceria com crianças, dirigido pela paulista Analúcia Godoi dentro do admirável e longevo projeto Animação do instituto Marlim Azul do Espírito Santo, que há vinte anos desenvolve filmes animados com crianças da rede pública, muitas das quais se profissionalizaram na área após as oficinas. O projeto cresce e amadurece a cada ano, tendo neste curta um digníssimo louvor e esplendor da voz das crianças capixabas.

O programa se encerra com MUDA, da diretora Isabella Pannain, também egressa do curso de animação da UFMG e representante da novíssima geração na animação brasileira, que auspiciosamente constrói a nova fase da produção nacional. O melhor na produção de animação brasileira de hoje é justamente o ecletismo de técnicas e regiões geográficas, fato inédito nos últimos cem anos e que possibilita a formação acadêmica (e não apenas autodidata) com amplo potencial de trabalhos e empregos para a nova geração e uma gradual possibilidade de estabilidade financeira e profissional dentro da área de atuação de animação exclusivamente. Hoje há referências de produção brasileira na TV e no cinema, o que é muito estimulante e inspirador para os espectadores ainda petizes.

É fundamental a continuidade do fomento para animação brasileira, é essencial que haja apoio para a contínua produção de curtas metragens e não apenas séries e longas. O curta é o momento mais honesto e pessoal da realizadora e do realizador e o curta de animação e é o ápice das artes visuais, unindo desenho e movimento e música e narrativa e emoção a elementos visuais antropológicos com os quais é possível se identificar e se inspirar desde a mais jovem idade. É onde podemos nos reconhecer, mesmo antes de aprendermos a falar.

Informações:
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