Alphaville (1965)

TOMÁS FARIAS

Num momento em que sua carreira ensaia uma transição da Nouvelle Vague para sua fase mais abertamente militante, Jean-Luc Godard rouba imagens da Paris moderna para nos jogar na cidade futurista de Alphaville. Nela, desembarca o espião americano Lemmy Caution (Eddie Constantine), vindo dos chamados “países exteriores”. A metrópole é controlada pelo poderoso computador Alpha 60, e nela reina a logicidade e a constante repressão de tudo que foge a ela. A poesia é literalmente proibida (é no mínimo irônico que no Brasil de hoje existam condomínios fechados com o nome de um lugar tão obviamente vilanesco).

A mise en scène de Godard trabalha para buscar uma atmosfera sufocante. Sua montagem anárquica se alia ao tom espontâneo e despojado das atuações, causando certo efeito de distanciamento no espectador, carregando a imagem de estranheza e lirismo. A fotografia explora o contraste do p&b envolvendo os habitantes e o espectador na aura sombria e ameaçadora que constitui Alphaville. Lemmy Caution parece estar sempre perturbado por tantas máquinas, luzes, portas e elevadores – a mecanicidade que rege o local. Seu semblante é de quem se recusa a ser dominado por ela. O perigo é palpável mas nunca conseguimos compreendê-lo totalmente.

Clássico modernista do gênero ficção científica que vai se fazendo cada vez mais contundente como reflexo do nosso mundo, paulatinamente mais dominado por grandes corporações, Alphaville se sustenta também na relação entre Lemmy Caution e Natasha Von Braun (Anna Karina). O envolvimento entre Constantine e Karina se intensifica lá pelo terço final, fazendo aparecer a veia romântica de Godard, e levando o filme ao seu clímax.

O cineasta filma diálogos mais densos, de cunho filosófico, entre os dois em planos um pouco mais longos, que buscam uma dimensão mais pictórica da imagem e dão aos atores uma maior liberdade, suscitando o
estado de graça entre eles. Como se encontrassem um no outro a válvula de escape da esterilidade que contamina a metrópole. O amor que – como diz Karina – é estranho e não pode ser ensinado, é refúgio em um mundo regido pela lógica onde tudo se quer controlar e ensinar.

Alphaville é um belo exemplar da iconoclastia lírica – carregada de reflexões e projeções sombrias
do futuro do mundo ocidental – de seu realizador.

Tomás Farias

A Cinemateca do MAM é patrocinada pela Samambaia Filantropias.

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