José Carlos Avellar

PEDRO BUTCHER

Quando eu era jovem e tolo e engatinhava como repórter e crítico de cinema do Jornal do Brasil, no começo dos anos 1990, José Carlos Avellar foi um farol e um grande incentivador. Pessoa generosíssima, adorava conversar sobre cinema e as coisas do mundo, porque o cinema era para ele parte inseparável do mundo. 

Avellar foi, antes de tudo, um crítico apaixonado, dono de um texto singular que fazia o movimento contrário da crítica tradicional. Em suas reflexões, ele não tinha como objetivo “mergulhar” nos filmes, mas, a partir deles, alçar voos inesperados, surpreendentes. Em Deus e o Diabo na terra do sol: a linha reta, o melaço de cana e o retrato do artista quando jovem, livro publicado na coleção organizada pelo British Film Institute, por exemplo, Avellar alterna um olhar detalhista, capaz de se deter em uma imagem, um ângulo da câmera, ao mesmo tempo em que é capaz de situar o filme na trajetória de seu autor, Glauber Rocha, e na trajetória do Cinema Novo – para, no fim das contas, oferecer uma pequena grande reflexão sobre o próprio cinema. Esse desejo transparece até mesmo em um livro de caráter mais teórico como A ponte clandestina, em que, para falar do cinema feito no continente latino-americano, Avellar mistura o português e o espanhol em um formato experimental-utópico, que passeia tanto sobre o cinema que foi feito como sobre aquele que foi pensado e sonhado. 

No começo dos anos 1990, como repórter do Caderno B, do Jornal do Brasil, pude testemunhar do trabalho de Avellar à frente da RioFilme, quando emprestou sua sabedoria e experiência para ajudar a colocar novamente de pé o cinema brasileiro, combalido pela decadência da Embrafilme e nocauteado por Fernando Collor de Mello. A atuação de Avellar, nesse período, foi fundamental na reconstrução de uma política pública para o setor, no processo de recuperação da autoestima dos profissionais de cinema e, também, na gradual reconquista do público. Ao mesmo tempo, seu respeito e influência contribuíram para reposicionar a produção brasileira no cenário internacional. 

Avellar amava o cinema político e foi um homem de ação política – uma ação precisa e eficaz, que, nesse período conhecido como “retomada”, foi resultado de um acúmulo de ações anteriores em diversos círculos. Conversar com Avellar sobre fazer cinema no Brasil era sempre um “choque de realidade”. Ninguém como ele compreendeu a complexidade do tempo e do próprio setor, o campo de possibilidades de ação instaurado pelas condições históricas e suas brechas potenciais; os meandros dos poderes instaurados e os pontos fracos e fortes dos agentes da própria atividade. Na tradição de Paulo Emílio Salles Gomes, Avellar foi um pensador e um ator político do cinema no Brasil. 

Pedro Bucher é jornalista, professor e pesquisador especializado em cinema, com experiência em comunicação e foco em linguagem cinematográfica, história do cinema e mercado cinematográfico (produção, distribuição e exibição).

Informações:
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