No visorzinho do tempo

VLADIMIR CARVALHO

Primeiro fui seu leitor assíduo nas páginas do Jornal do Brasil, onde Avellar se destacava entre os seus pares de um coletivo de renomados críticos no início dos anos de 1960. Depois, quando veio a fase de seus livros, eu os li todos e ainda hoje demoro-me a reler o seu definitivo Cinema Dilacerado (Alhambra, 86), vasto ensaio em capítulos, que passa em revista quase toda a produção cinematográfica brasileira que vai do AI-5 à redemocratização do país nos anos de 1980. Mas o que nos uniu, de fato, foi a prática do cinema, a partir do dia em que providencialmente lhe fui apresentado por Cosme Alves Neto, na Cinemateca do MAM, logo depois do golpe militar de 64.

Naquele tempo permitiu-se, talvez para se testar, registrar cenas de rua no Rio de Janeiro, operando ele próprio uma câmera de 16 milímetros, sobre o que trocávamos ideias, bons amigos que já éramos, vendo os copiões num visor manual em seu apartamento da Marquês de Abrantes. Já era o prenúncio de sua única experiência como câmera e fotógrafo, realizando com Olney São Paulo o média metragem Manhã Cinzenta, com expressivo registro da passeata dos cem mil, como ficou conhecida a memorável manifestação de 1968. Foi nesse clima que eu lhe mostrei no seu visorzinho os rolos do material inicial do que viria ser o meu filme O País de São Saruê, sobre o qual ele escreveria longo ensaio. Não uma crítica de jornal suscinta e rotineira, mas talvez o mais denso e profundo texto, sem adjetivação nem elogios, de tudo que se escreveu sobre o documentário, que este ano completa meio século de realizado. Seus insights e análise rigorosos me tocaram fundo e ainda me norteiam, mesmo considerando a passagem do tempo e a evolução do cenário no Brasil e no mundo. 

Natural que nos tornássemos amigos fraternais estando ambos na mesma liça das batalhas de nosso cinema, e não foram poucos os nossos encontros aqui e também mundo afora por conta de fóruns e festivais. Nesses ambientes – não posso esquecer – sempre fui alvo de sua atenção e generosidade. A propósito, conservo carinhosamente, como lembrança viva dessa fase, uma carta sua que reencontrei perdida na “babel” de meus arquivos, onde me informa do interesse do Festival de San Francisco (EUA) em exibir um dos meus filmes. Mas ele sempre teve essa atitude onde quer que se encontrasse, no seu afã de ajudar os cineastas brasileiros. Em Viña del Mar, em Paris e Cannes, em Havana ou Buenos Aires, ele fazia questão de me apresentar às pessoas e me facilitar importantes contatos. 

Fluente nas línguas que regem a contemporaneidade, transitou no exterior com êxito por diversos fóruns, sendo acatado e aplaudido por suas competentes intervenções, que sempre lançavam uma luz nova quando o assunto era o Brasil, a América Latina e a atividade cinematográfica. Hoje, reconhecido como um mestre pensador inconteste, com o seu legado crítico e teórico catalogado e disponível ao público, encontra o merecido nicho em espaço especial que só engrandece o nosso cinema e a nossa cultura.

Vladimir Carvalho é cineasta e documentarista.

Informações:
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