ADRIANA CURSINO
Madrid, 15 de julho de 2021.
Avellar,
Que falta você faz!! Você não imagina em que se converteu o mundo desde que você se foi, há pouco mais de 5 anos, em 18 de março de 2016. Nosso cinema vem sendo mutilado e estamos resistindo como bravos guerreiros. Sim, às vezes parece uma luta, com o mundo dividido em extremos. Opostos. Não haveria espaço nesta página para explicar o cenário mundial atual. Opto por falar das imagens. Certamente, você se encantaria pelos bons filmes que vem sendo feitos, na base da guerrilha, e que te inspirariam a dizer aquelas palavras mágicas que só podiam sair de você.
Falo dos filmes que trazem “informação aberta, múltipla, simultânea”, que se referem ao mesmo tempo às coisas que estão ao nosso lado, nos afetando e, materializam “uma outra coisa que não tem matéria própria – no caso a vontade, a insatisfação, o sentimento que levou ao Maio de 68”, como você disse no seu texto “Imagem e som, imagem e ação, imaginação” se referindo ao filme Le fond de l´air est rouge (1977), de Chris Marker. Imagens que preenchem um espaço, anunciando uma espécie de “gênero de combates”, ou o cinema que tenta entender os movimentos sociais.
Neste texto, você falava de “um pouco antes até um pouco depois de Maio de 1968”, sobre a Europa e sobre o mundo. Mas, esse sentimento de insatisfação, desejo de mudança, vontade de entender, cabe perfeitamente nos dias de hoje. O que vivemos, tem ares de um passado que parecia superado, mas que volta como ondas de retrocesso que nos faz explicar de novo coisas que pareciam dadas como óbvias: a democratização das sociedades, a defesa das liberdades individuais ou coletivas, a denúncia contra guerras, a indiscutível garantia dos direitos sociais, da preservação da memória, etc. Os tempos de agora nos convocam à reafirmar e lutar por, “informação ampla, múltipla, aberta, mil coisas e sensações simultâneas”, como você dizia.
Os tempos nos demandam reinvenções, sim, como fênix, estamos nos recriando, os humanos, em ritmo frenético e incessante. Parece que os planetas também estão dançando um ballet que não é como uma música de câmara de Bach, que você tanto gostava, mas uma sinfonia veloz, a la Wagner, alucinada, cujos movimentos incidem, como impactos sísmicos na vida das pessoas aqui na Terra.
E os guerreiros do bem, cada um no seu front, estamos salvando o que se pode e guardando forças para a reconstrução do Brasil, assim que for possível. Essa homenagem que você recebe da Cinemateca do MAM, que celebra o 66° aniversário da Fundação e cria um prédio com seu nome, o Centro de Conservação José Carlos Avellar, é fruto do trabalho dos bravíssimos guerreiros do MAM, entidade que você presidiu por dois anos. Pois é, Avellar, nossa memória audiovisual está em risco, parte da memória do mundo. E você nos inspira a seguir em frente.
Sua trajetória marcou a maneira de pensar o cinema. Seu desejo de compreender o Brasil, de buscar no cinema meios de nos aproximarmos do nosso país; sua ética e delicadeza, posso dizer que nestes tempos, funcionam como nosso escudo. Nos encoraja, ativa a criatividade ou mesmo a lembrança da alegria de viver. Seguimos lutando, resilientes com a missão de defender as imagens existentes e de gerar outras “que estimulam o imaginário do espectador a agir com o olhar sobre o que vê no dia a dia. Para formar imagens novas”. Preencher os espaços, com imagens que possam ressoar ondas de imaginação, com sons e todas as cores, livres, por todos os lados, hemisférios, planetas e dimensões. E quem sabe, chegar aí onde você está! Descanse, porque agora é nossa hora de lutar. Seguimos!
Com carinho e admiração,
Adriana Cursino
1 2 e 3 Avellar, José Carlos. Imagem e som, imagem e acção, imaginação in “O Bestiário de Chris Marker”. Livros Horizonte. Festival Internacional de Cinema de Tróia. Lisboa, 1986.
Adriana Cursino é é pós-doutora em Comunicação e Audiovisual, pesquisadora, professora (IE University y Instituto del Cine Madrid) e documentarista. Dirigiu Estado de Seca (2007) e Viaje a Yebisah (2014).
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