CARLOS DIEGUES
O cinema não é apenas um lugar contemporâneo onde se desenvolve o pensamento sobre o mundo e a humanidade de hoje. Ele é uma forma de pensar, através de sons e imagens, o mundo e quem nele vive, o melhor e mais fiel espelho para se conhecer um povo, uma nação ou um conjunto delas reunido pela mesma origem, o mesmo espaço geográfico, a mesma formação histórica. Embora se produza filmes no Brasil desde datas muito próximas à da invenção do cinema, em 1895, esse papel, que ele exerce na maioria das cinematografias mundiais, não foi imediatamente percebido e cultivado entre nós. É como se o cinema estivesse construindo sua história de instrumento de entretenimento e cultura, enquanto nós o mantÍnhamos ativo mas fora de nossa história.
O papel do cinema como espelho de uma história humana e, ele mesmo, parte dela, sempre esteve perdido nos anos iniciais de sua prática no Brasil. Foi na cidade do Rio de Janeiro que surgiram os primeiros pensadores do cinema no Brasil e, logo em seguida, em São Paulo. No Rio, o grupo fundador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) fez dessa instituição um motor da cultura cinematográfica na cidade e no país, deixando seus “herdeiros” apaixonados por essa atividade criadora. Foi entre esses “herdeiros” que Jose Carlos Avellar se notabilizou.
Avellar não só dirigiu a Cinemateca entre 1991 e 1992, como ali trabalhou de 1969 a 1985. Foi graças à presença dele por lá que obtive a colaboração da Cinemateca na produção de filmes como “Cinema Íris”, “Oito universitários” ou “Veja essa canção”, em anos em que o cinema brasileiro se encontrava abandonado pelo estado e suas forças de produção. Mas a intensa participação de Avellar na afirmação ou na recuperação do cinema do país não se deu apenas em sua intervenção na produção de alguns filmes, mas sobretudo pelo que fez pela cultura cinematográfica, através da Cinemateca ou por seu trabalho como jornalista e crítico em algumas de nossas principais publicações.
Conheci Avellar graças ao também saudoso David Neves, que o trouxe para a equipe de filmagem de “Domingo”, curta-metragem que realizamos entre 1959 e 1960, antes de meu episódio em “Cinco vezes favela”. Avellar era um discretíssimo fotógrafo de still, cujo comportamento atento e disciplinado nos ajudava a compreender nosso próprio trabalho. A partir daí, tornei-me admirador e amigo daquele amante do cinema que dedicou sua vida àquele universo, a descobrir para nós seus mistérios e belezas. Avellar será para sempre um eterno mestre do mundo para o qual escolheu viver – o cinema.
Carlos Diegues é cineasta.
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