Avellar

EDUARDO ESCOREL

Pessoas como José Carlos Avellar são raras e fazem falta, em especial nos dias que correm. Ele dedicou a vida ao cinema e quem o conheceu haverá de concordar que foi uma pessoa delicada, generosa, sensível e produtiva.

Dotado também de grande paciência, em 1986, ano em que foi um dos diretores da Embrafilme, houve o dia inesquecível em que um cineasta e amigo dele, após ter sido recebido e apresentado seu pleito, disse que não sairia da sala enquanto o financiamento não fosse aprovado. Depois de explicar ao postulante que esse não era o procedimento adequado, Avellar avisou que tinha trabalho a fazer, mas que, caso o visitante quisesse podia ficar à vontade onde estava. E assim foi. Avellar na escrivaninha, o cineasta sentado à sua frente. Até que chegou a hora do almoço. Avellar disse que ia sair, não poderia deixar ninguém sozinho na sala e convidou o amigo para almoçar. O cineasta hesitou um pouco, mas acabou concordando em acompanhar Avellar à churrascaria. Os dois almoçaram bem e se despediram, depois de Avellar ter pago a conta. Avellar voltou para sua sala na Embrafilme e o cineasta e amigo foi para casa satisfeito – alimentado, mas sem contrato algum aprovado.

Diagramador do Jornal do Brasil, Avellar publicava críticas no Caderno B, fiel a um método próprio em que partia da análise de um detalhe e extrapolava seu comentário para abarcar o conjunto do filme. Creio que havia se aposentado no jornal quando iniciou nova carreira, dedicando-se à preservação e difusão de filmes na Cinemateca do Museu de Arte Moderna; a incentivar a produção na secretaria da Cultura do Estado, às atividades culturais como diretor da Embrafilme, à produção e distribuição na Riofilme, e à difusão no período em que trabalhou no Instituto Moreira Salles. Isso, sem esquecer a edição da revista Cinemais durante os anos posteriores ao trauma da era Collor.

Fui beneficiado diversas vezes pela generosidade de Avellar. Desde a acolhida de um artigo, no Caderno B, até a edição feita a seu convite de Posfácio, entrevista de Nise da Silveira concedida a Leon Hirszman que a deixou inédita ao morrer.

Como se não bastasse, Avellar chegou a fotografar alguns filmes e colecionava câmeras fotográficas, Leicas em especial. Ele cumpriu um percurso profissional completo, transitando pela crítica, realização, produção e preservação etc. – caso raro no cinema brasileiro. 

Não sei se Avellar era tão tranquilo quanto parecia. É difícil acreditar que ele, ou alguém, fosse capaz dessa proeza sendo envolvido com o cinema brasileiro. Aos sobreviventes só resta lamentar a perda que a ausência dele representa e tentar manter a serenidade que Avellar aparentava.

Eduardo Escorel é cineasta, montador e professor.

Informações:
[email protected]



Acessibilidade | Fale conosco | Imprensa | Mapa do Site