Os textos de Carlos Avellar

JOÃO LUIZ VIEIRA

Bem antes de abrir o primeiro curso de cinema na área do Rio/Niterói, na UFF, com o vestibular em dezembro de 1968 e entrada em março do ano seguinte, eu já havia tido aulas de história do cinema no I Festival de Inverno de Ouro Preto, julho de 1967, sob a inspirada coordenação do Prof. José Tavares de Barros, da UFMG. Esse interesse foi ampliado, naquele mesmo ano, com um outro famoso curso de Crítica Cinematográfica, desta vez oferecido por Ronald Monteiro na Cinemateca do MAM. Também na Cinemateca, em 1969 e sob a ameaça diária do AI-5, participei como aluno de um corajoso e subterrâneo curso sobre a montagem de mestres soviéticos como Eisenstein e Vertov, a cargo de uma jovem crítica dos Cahiers du Cinéma, Sylvie Pierre, recém chegada ao Rio.

Essas três experiências, afirmo, com toda a certeza retrospectiva de uma inclinação descoberta na juventude, foram fundamentais para a definição de um rumo na vida. Mas uma outra formação tão importante quanto as três acima vinha da leitura habitual, sistemática e semanal da crítica cinematográfica dos jornais cariocas Correio da Manhã e o JB. Muito além do quadro sintético de estrelinhas, ou do bonequinho de O Globo, o espaço de página inteira—ou até mesmo de páginas duplas dedicadas à crítica cinematográfica, com textos amplos, muitas vezes com três, quatro ou mais parágrafos generosos na apreciação do filme em questão—indicava critérios, definia opiniões, sinalizava caminhos para o precoce amadurecimento crítico na transformação de um jovem apaixonado pelo cinema em espectador mais exigente e opinativo (ou seletivo?).

E aqui destaco a importância incomparável dos textos do Avellar, lidos antes e muitas vezes relidos após a visão de determinados filmes. Com estilo, fluência argumentativa, e especialmente a atenção ao detalhe, o crítico partia com frequência de algum procedimento de linguagem do cinema—um enquadramento em close-up, um movimento de câmera, a sucessão rápida de cortes, um plano sequência mais demorado, a qualidade da textura fotográfica, entre tantos outros—para definir um sistema de direção que não raro espelhava o entendimento do cinema enquanto discurso e moldava espaço e tempo em olhares cinematográficos diversificados. E que, muitas vezes, materializava a expressão de uma visão de mundo.

Estávamos na segunda metade da década de 1960, pós explosão dos cinemas novos ao redor do mundo, com o cinema de autor dando as cartas em circuitos de arte aqui e no exterior. Época de idas semanais ao Paissandu, Cinemateca do MAM, Cinema do Museu da Imagem e Som (na Praça XV), Cine Mesbla (no Passeio Público), e, a partir de 1968, atravessando a baía para assistir a filmes no Cine Arte UFF. Godard, Resnais, Varda, Antonioni alternavam com Nelson Pereira dos Santos, Glauber, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., entre tantos outros, assistidos com os textos do Avellar. Aprendi muito com sua metodologia analítica, vendo e revendo filmes com seu olhar treinado, atento, curioso, sensível.

João Luiz Vieira é professor de cinema na UFF.

Informações:
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