Homenagem a José Carlos Avellar

ISMAIL XAVIER

José Carlos Avellar foi um dos expoentes da crítica cinematográfica brasileira desde seu trabalho no Jornal do Brasil nos anos 1960, quando se firmou como crítico de percepção fina e esclarecedora da forma, estilo e temática dos filmes, sempre muito claro na exposição de sua apreciação de cada caso em pauta e buscando a comunicação a mais direta com o leitor. Uma postura democrática de exposição do pensamento sem ostentação de vocabulário técnico, dada a sua rara competência, enorme habilidade na escrita e clareza de percepções e de ideias. Uma atitude que complementava o seu respeito pela criação dos cineastas cujo trabalho era observado com muita atenção e perspicácia, visto que eram obras com as quais sua cultura e sensibilidade buscavam o diálogo.  

Conhecedor em profundidade da história do cinema e suas conexões com conjunturas específicas, sempre articulou sua apreciação das imagens e sons com referências à relação entre filme e contexto, qualidades do crítico que lhe permitiram desdobrar sua reflexão em ensaios mais amplos, tanto na natureza do objeto quanto nas dimensões da análise. Falo de seus livros baseados em criteriosa pesquisa que iluminaram aspectos fundamentais do cinema brasileiro moderno e contemporâneo (como, por exemplo, o livro O cinema dilacerado). Sua dedicação constante e fundamental ao documentário gerou seu empenho como crítico, autor de textos em coletâneas e como gestor no plano institucional. E sua atenção às relações entre fala e imagem no cinema se desdobrou num movimento na direção de um ensaio em que analisou a relação entre cinema e literatura (ver O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil), numa reflexão original sobre a cultura brasileira. Participou do Conselho Editorial da Editora Zahar, coordenando a edição de livros sobre cinema, e atuou também como Conselheiro em importantes revistas como CINEMAIS e revistas internacionais. Organizou vários livros importantes de distintos autores e escreveu capítulos de muitos catálogos e coletâneas tanto no Brasil quanto no exterior.  

Como crítico e pensador que muito se dedicou ao cinema da América Latina, Avellar cumpriu um percurso inigualável na participação em festivais e encontros internacionais nos quais fez valer seu conhecimento, experiência crítica e lucidez, trazendo contribuições decisivas para o conhecimento do cinema do continente e para o debate de seus problemas. Foi sempre notável na capacidade de agregar críticos e cineastas para um diálogo que sempre produziu e fez públicos novos aportes no campo do balanço crítico e da troca de ideias. Encontros sempre voltados para a atualização do conhecimento e de saberes que tiveram papel fundamental no continente. Exemplo de sua reflexão original é o livro A ponte clandestina: teorias do cinema na América Latina, um clássico da bibliografia sobre o cinema latino-americano. 

Sua brilhante carreira como crítico de alcance internacional se traduziu na participação em muitos encontros em distintos países, encontros em que seu destaque se desdobrou na sua eleição para Vice-presidente da FIPRESCI, Federação Internacional de Críticos de Cinema.

Desde o seu período inicial de participação mais intensa nos trabalhos da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, da qual foi diretor por um período, esteve atento à questão da preservação de filmes e de documentos fundamentais para que se pudesse desenvolver uma reflexão sobre a história do país e dar conta do papel das artes, da fotografia e do cinema neste contexto social e político.   

Seu compromisso com a cultura e seu empenho na viabilização de iniciativas geradoras de informação e debate foi constante e se traduziu na sua gestão de agências de fomento no plano da produção de filmes, e na sua participação em instituições culturais importantes. Sua ação no campo institucional das entidades da cultura, se teve na Cinemateca um polo fundamental e, ao longo da vida, se desdobrou em variados compromissos, teve um novo momento brilhante quando, num período mais recente, assumiu a coordenação de uma área do Instituto Moreira Salles. Foi neste período que tive meus últimos encontros com o amigo Avellar no Rio de Janeiro, quando participei novamente de eventos por ele coordenados. Como sempre, foi notável sua lucidez na condução do seu trabalho com dedicação e iniciativas que geraram uma programação de alto nível, seja no plano da exibição de filmes, seja no plano de debates, cursos e palestras

Com seu conhecimento e seu espírito aberto na condução das mais variadas iniciativas, deu um extraordinário exemplo de dedicação à cultura, tendo sido um arguto interlocutor, não só dos estudiosos de cinema, num leque amplo de publicações internacionais, mas também dos cineastas, com quem interagiu como crítico e, não esqueçamos, no criativo exercício do seu olhar como cineasta em curtas e episódios de longas, e como fotógrafo que foi ao longo da vida.

Ismail Xavier é teórico no campo de estudos cinematográficos e professor de cinema brasileiro, considerado um dos mais importantes pesquisadores da sua área. 

Informações:
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