Fichas técnicas de Marcelo Ikeda

Longas

Em casa

(2005, 78′39´´)

SINOPSE: Depois de dez anos, volto à casa. O que há da casa? O que há de mim? O que há de mim em casa? O que há da casa em mim?

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Edição de Som: Yuri Apoena.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: Em casa inicia uma trilogia de diários de viagem em longa duração, sucedido por Desertum e Êxodo. Volto para a casa dos meus pais, onde nasci, após dez anos fora. O que há de mim nos cômodos dessa casa, em cada canto? Quais são os rastros de mim? Essa busca por uma origem é feita sem psicologia, mas através de um cinema materialista, com planos de câmera parada e de longa duração. As memórias da casa são evocadas de forma implícita por meio de um olhar radical para sua arquitetura física, repleto de um quase total esvaziamento da figura humana. De certa forma, Em casa é um prolongamento das pesquisas de curtas de tendência formalista como Entremeio, mas aqui o rigor da estrutura que decompõe a casa em cômodos ligeiramente se abre à medida que o filme segue adiante, avançando para os arredores da casa, e culminando num plano-síntese, o plano final.

Desertum

(2006, 81′09´´)

SINOPSE: (Anti)diário de viagem para Buenos Aires. Estar lá é não estar aqui, é não estar em lugar algum. O tempo, os locais físicos e a distância. O estrangeiro é um ausente de si mesmo. O autor é o estrangeiro dos estrangeiros. “Estou à procura de um homem que não conheço, que nunca foi tão eu mesmo quanto desde que comecei a procurá-lo.” Edmond Jabès

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Câmera Adicional: Mariana Coli. Trilha Sonora (seleção): Ricardo Pretti.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: Desertum compõe uma trilogia de (anti)diários de viagem em longa duração, precedido por Em casa e sucedido por Êxodo. Numa viagem a Buenos Aires, a câmera apresenta apenas o ponto de vista do autor: um olhar estrangeiro numa terra estrangeira. Dessa forma, torna-se quase um antidiário-de-viagem, afastando-se do deslumbramento do turista, para fazer imergir o espectador numa experiência outra de espaço-tempo. O misterioso final aponta para qual o sentido dessa viagem, e questiona a transformação do estrangeiro depois desse processo.

CARTA DE INTENÇÕES (escrita em 2006): Desertum é um longa-metragem que dialoga com o documentário para compor um trabalho de linguagem de base experimental. Realizado de forma independente, sem leis de incentivo ou apoio governamental, comprova a viabilidade das novas tecnologias digitais na realização de trabalhos que buscam uma linguagem mais livre das convenções narrativas da televisão, do cinema holywoodiano ou da publicidade.

Quase todo filmado na Argentina, com uma portátil câmera MiniDV, Desertum acompanha o olhar de um viajante, saindo de sua casa no Brasil e embarcando em viagem para a Argentina até a volta para sua cidade-natal. Filmado em uma câmera subjetiva, quase como um diário de filmagem, inspirado, por um lado, nos filmes supeoitistas de vanguarda novaiorquina dos anos 1970, especialmente os de Jonas Mekas, e, por outro, no distanciamento rigoroso de alguns filmes de Chantal Akerman, só é possível ao espectador acompanhar o olhar desse personagem, sem corpo e sem rosto, que só será mostrado ao final do filme.

Desertum é também inspirado nos escritos de Edmond Jabès, pensador de origem judaica, cuja obra apresenta uma reflexão sobre o lugar do estrangeiro. Para Jabès, o estrangeiro não é apenas quem tem outra nacionalidade, quem vem de outro país, ou mesmo de outra religião, mas alguém à procura de um desconhecido (si mesmo), alguém que vive em meio a destroços e que, de fato, é de lugar nenhum. Ser estrangeiro, nesse caso, ultrapassa qualquer contingência sociocultural e ganha um contexto de intimidade: estrangeiro já é o eu a procura de um si mesmo desconhecido e que tem como fundamento o fato de ser de origem indeterminada, isto é, ter como origem o que não pode ser determinado, o desconhecido. Trata-se, por isso, de um eu ausente de si mesmo; em outras palavras, o lugar de sua presença é também um lugar de ausência, de silêncio, de desconhecimento, de indeterminação. Por isso, na poética jabesiana há a preferência por lugares distantes, solitários, por viagens, por travessias (do mar ou do deserto), isto é, por lugares ausentes, permeia todo o livro.

Para adaptar as idéias jabesianas, Desertum buscou um olhar por essa Argentina que escapasse do cartão-postal, isto é, um olhar original nesse país outro. A estética rigorosa, a ênfase no plano fixo, os locais amplos, são contrabalançados por uma música que causa um ainda maior estranhamento em relação a essa imagem, com músicas contemporâneas de autores de vanguarda como Matt Gustaffson, Nakamura, Keiju Haino, entre outros, escolhidas por Ricardo Pretti.

Êxodo

(2008, 95´22´´)

SINOPSE: (Anti)diário de viagem para a ilha de Florianópolis. O tempo, os lugares físicos e a distância de si. Um filme estrangeiro. “Il et son féminin Île” (Ele e seu feminino ilha) – Edmond Jabès.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Música original: Luiz e Ricardo Pretti.

APRESENTAÇÃO (escrita em 2008): Êxodo faz parte de uma trilogia de longas (junto aos anteriores Em casa e Desertum) baseados em (anti)diários pessoais de viagens, livremente inspirados nos diários de Jonas Mekas e no cinema digital de Abbas Kiarostami (Five). Assim como em Desertum, seu longa anterior, passado em Buenos Aires, em Êxodo temos o “(anti)olhar” de um observador estrangeiro, em seu primeiro contato com uma cidade desconhecida. Temos sempre o seu ponto de vista, desse observador silencioso que só será revelado ao final. Dessa vez, o lugar escolhido é a ilha de Florianópolis, com sua mescla de “cidade-turismo” e “centro urbano”. O percurso ao longo desses espaços físicos assume aspecto que privilegia a arquitetura física e um esvaziamento da figura humana, por meio de planos longos que sugerem um distanciamento do lugar filmado. O filme revela-se então um “(anti)diário de viagem”, já que o deslumbramento com o novo e o contato com o outro praticamente inexistem. Os lugares físicos são filmados como “espaços vazios” e a experiência de imersão nesse lugar outro é contrabalançada com a música, de base eletroacústica. O título remete à estrutura ternária do livro bíblico e problematiza uma idéia de travessia espiritual, diante do vazio do mundo das coisas. Com isso, Êxodo se insere numa linha do cinema contemporâneo que se aproxima das artes visuais, num entremeio entre o cinema experimental, o ensaio e o documentário, afastando-se da dramaturgia clássica para construir um cinema composto puramente de tempo e espaço, como uma experiência essencialmente sensorial.

Entre mim e eles

(2013, 79′52´´)

SINOPSE: Quatro amigos se reúnem para fazer um filme. E eu os observo. Um filme-ensaio sobre o processo de filmagem de Os monstros, de Guto Parente, Luiz e Ricardo Pretti e Pedro Diógenes (Alumbramento Filmes). Um filme-carta, um filme-diário, um filme-ensaio, um filme-de-arquivo, um filme-de-garagem.

FICHA TÉCNICA: Um filme-processo de Marcelo Ikeda. Câmera (Prólogo/Epílogo): Victor Furtado. Edição (Prólogo/Epílogo) e Finalização: Hugo Pierot. Cor/p&b.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: Assim que me mudei para Fortaleza em 2010, fui convidado para fazer o making of de Os monstros (2011), filme realizado pelos Irmãos Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes, logo após a boa repercussão de Estrada para Ythaca (2010) na Mostra de Tiradentes. Aceitei, desde que não fosse um making of, mas um olhar independente sobre o processo de filmagens. Contaminado pela alegria de ter me mudado para Fortaleza e pelo prazer de testemunhar tão de perto a possibilidade de se fazer cinema com tão poucos recursos materiais, delineei um olhar que, de forma afetuosa, mostrasse como criação e vida se entrecruzam no processo de realização do Coletivo Alumbramento. Por esse ponto de vista, o filme é, portanto, um prolongamento do meu trabalho de pesquisa sobre os cinemas de garagem. Assim, Entre mim e eles é mais solar, mais aberto ao movimento e à interação com as pessoas do que meus anteriores (anti)diários de viagem. No entanto, ainda se tratava de uma pessoa solitária que filmava um coletivo, do qual nunca fiz parte.

De outro lado, muita coisa mudou com a passagem do tempo, desde que as imagens foram filmadas (2010) até a montagem do material (2013). Nesse período, o Coletivo já havia se dissolvido em sua forma plena, acossado por desentendimentos e disputas. A essa altura, eu já não era mais próximo de nenhum dos quatro diretores. Assim, o filme é um gesto afetuoso de despedida, como um aceno de saudade sobre um tempo que passou. O próprio título denota essa intimidade mas, ao mesmo tempo, demarca uma distância.

Curtas

Depois da noite 

(1999, 18´51´´)

SINOPSE: Preso em seu quarto claustrofóbico, um menino medita sobre seus fantasmas interiores, sua solidão e tentativas de fuga, entre lembranças e alucinações, entre o dia e a noite.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com: Victor Gil. Sem áudio.

COMENTÁRIOS: Depois da noite foi minha primeira experiência audiovisual, pouco antes de entrar no curso de Cinema da UFF. Gravado com uma câmera VHS (daquelas que gravavam em fitas VHS-C), editado de VHS para VHS, totalmente sem som, usando meu primo como ator improvisado. De um lado, é um trabalho completamente amadorístico, em termos da artesania técnica. Em meus primeiros vídeos, eu não estava muito preocupado com as superfícies da imagem e buscava algo seco, cru, precário. Neste primeiro trabalho de autodescoberta, já estão os embriões de vários elementos que busquei desenvolver posteriormente: a circularidade, o conflito entre o interior e o exterior, o minimalismo, os tempos longos, a solidão e a incomunicabilidade, o cinema caseiro. Há um estranho plano-sequência de mais de 7 minutos, em que o menino sai de seu quarto no andar de cima, desce as escadas, sai de casa, e caminha pela rua até um campo de futebol. A solidão e a casa se integram a um imaginário infantil, que funde delírio e real.

Na lata 

(2000, 1´)

SINOPSE: O ponto de vista de uma lata de cerveja depois de ser descartada.

FICHA TÉCNICA: Direção e Roteiro: Marcelo Ikeda. Produção: Úrsula. Câmera: Émerson. Com: Émerson e Seu Antonio.

COMENTÁRIOS: Curta de 1 minuto realizado como exercício na universidade de cinema, que apenas sobreviveu numa cópia de baixíssima resolução. Um plano sequência radical, com um ponto de vista inusitado, que se integra às experiências visuais e narrativas de meus primeiros trabalhos.

Casulo 

(2000, 8´03´´)

SINOPSE: Um homem imerso em seu casulo desarrumado tenta sair mas não consegue. Qual é a saída?

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com: Marcelo Ikeda. P&B.

COMENTÁRIOS: Casulo é o meu primeiro “vídeo caseiro”: todo realizado por mim, em todas as funções de produção, no meu próprio apartamento. Gravado numa VHS e editado de VHS para VHS. A edição de som foi improvisada durante a exibição do filme, com um pequeno gravador de mão plugado no VHS, em que o botão de PLAY soava a sinfonia de Beethoven e o de REC iniciava uma microfonia, cujos tons oscilavam segundo a variação da distância para o aparelho. Os créditos são um atrativo à parte… Hoje, sinto que esse vídeo foi muito influenciado pelo cinema das vanguardas, especialmente Limite e Meshes of the afternoon. Há, no entanto, uma circularidade e um confronto entre o interior e o exterior, entre o realismo e o delírio, que estão diretamente em continuidade com o Depois da noite, embora os dois vídeos sejam bastante diferentes. É curioso pensar que essa estrutura em três atos (casa-mundo-casa) é a mesma que usarei bastante depois, como, por exemplo, nos meus (anti)diários de viagem (Desertum, Êxodo….)

Rio 

(2001, 6´13´´)

SINOPSE: Cenas de um dia entre a manhã e a noite na cidade do Rio de Janeiro.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Rio marca um novo momento, ainda nessa fase inicial de minhas primeiras experiências. Influenciado por Silver City (curta de Wim Wenders) e os primeiros filmes dos Irmãos Pretti (como Estética da solidão), procurei trazer maior rigor à composição dos enquadramentos e à movimentação da câmera. Um olhar para a paisagem ao meu redor sem qualquer resquício de “filme-de-paisagem”. Uma abordagem quasi-materialista mas que, ao mesmo tempo, fosse muito pessoal, revelando um olhar muito singular sobre o Rio de Janeiro.

Entremeio 

(2002, 11´54´´)

SINOPSE: Através de uma estética materialista, um olhar sobre os objetos da casa, o dia e a noite, a intimidade e o distanciamento.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Entremeio foi realizado logo após o impacto de ter conhecido os Irmãos Pretti e ter visto Estética da Solidão (2001), o longa solitário dos Gêmeos. O impacto pode ser sentido de duas formas: a primeira, pelo rigor da câmera fixa e dos tempos longos (a partir de então, meus vídeos passaram a ser bem mais rigorosos); o segundo, pela possibilidade de montar um filme fora do VHS, numa ilha não-linear, operada pelos Gêmeos, que me ajudaram a montar num G3. Mais que isso, eles me apresentaram a música do Stockhausen e de Satie, que utilizei como base para o som. Pude utilizar também uma câmera pouco melhor que o VHS: uma Digi8 emprestada pelo Ivo Lopes Araújo. Para além disso, Entremeio avança em minhas pesquisas sobre as vanguardas, mas dessa vez, influenciado pelo estruturalismo, principalmente de Michael Snow, mas também por um certo cinema japonês, que nessa época passei a ver com apetite voraz. Um estudo sobre o tempo e o enquadramento, em especial entre as linhas vertical e horizontal do quadro, bastante – talvez excessivamente – formalista.

Alvorecer 

(2002, 8´22´´)

SINOPSE: Um musical desafinado. Um estudo sobre a solidão, a intimidade e o distanciamento do olhar.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Voz: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Alvorecer, junto com Casulo e Entremeio, compõe uma primeira trilogia de vídeos caseiros, todos realizados no mesmo apartamento, em que eu morava. As imagens na televisão no início e no final do vídeo são justamente de Casulo, e há o recorte de planos-detalhe da casa assim como em Entremeio. Mas, desta vez, quis refrear os excessos formalistas do anterior Entremeio, soar menos aborrecido mas não menos melancólico. A chave para isso é a música de Dona Ivone Lara, cantada por mim mesmo, num tom bastante singular. Pensando bem, a estrutura é a mesma do Casulo: tento abrir a janela para ventilar o meu mundo claustrofóbico mas não consigo, e acaba-se com o mesmo final circular. É curioso pensar que abrir uma janela tornava-se base para a minha Carta do Ceará, realizado quase 10 anos depois.

Spencer, ontem, hoje e sempre 

(2003, 10´)

SINOPSE: Videopoema em homenagem ao cineasta e crítico de cinema pernambucano Fernando Spencer, autor de mais de 40 curtas-metragens desde o final dos anos 1960. Por meio de um paralelo entre cenas de seus filmes e de uma visita ao Rio de Janeiro, promove-se um passeio nostálgico e íntimo à obra do realizador. Em comum, os temas da memória, da solidão e da saudade.

FICHA TÉCNICA: Direção, Produção, Roteiro: Marcelo Ikeda. Câmera e Edição: Ivo Lopes Araújo. Elenco: Fernando Spencer.

COMENTÁRIOS: Fernando Spencer foi homenageado pela Mostra do Filme Livre em 2003. Aproveitando sua estada no Rio, convidei Ivo Lopes Araújo para gravarmos imagens de Spencer no hotel e arredores, na praia do Leme. Como típico trabalho de edição e de decupagem, pensei em mesclar essas imagens com as de seus próprios filmes, compondo um jogo ambíguo entre memória e imaginação, entre o cinema e o mundo, ou ainda, como o final explicita, entre a morte e a vida. Uma modesta homenagem ao amor de Spencer pelo cinema e um primeiro exercício com um trabalho de decupagem. De alguma forma, sinto que filmei Spencer como filmaria a mim mesmo em meu casulo, depois tentando sair de casa. Gravei uma longa entrevista com o Spencer de mais de duas horas, mas acabei decidindo não usar nenhuma palavra no filme. Filmado e montado em tempo recorde, foi exibido na sessão de encerramento da Mostra do Filme Livre.

Tesouro do samba 

(2004, 20´)

SINOPSE: 11/10/2003: após três anos de tentativas fracassadas, o compositor Cadu vai para sua quarta final consecutiva na escolha do samba-enredo para o desfile da Estação Primeira de Mangueira no carnaval de 2004. Todo realizado no dia da grande final, o vídeo acompanha a rotina de um finalista: a expectativa, os sonhos, as estratégias, a reunião descontraída com amigos e os demais compositores, a tensão durante a apresentação na quadra. Até que sai o resultado!

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Câmera: Marcelo Ikeda e Felipe Nepomuceno. Com: Cadu e compositores da Estação Primeira de Mangueira.

COMENTÁRIOS: Tesouro do samba é meu documentário mais convencional, acompanhando um tema com o qual possuía bastante familiaridade: os bastidores da escolha de um samba-enredo em uma escola de samba. Aproveitei a intimidade que já tinha com o compositor Cadu para tornar o clima bem descontraído. Felipe Nepomuceno me ajudou operando uma segunda câmera dentro da quadra da Mangueira. No entanto, muitas falhas técnicas impossibilitaram que esse vídeo simples pudesse ter maior repercussão. Para mim, funcionou basicamente como um útil exercício de edição. Aliás, foi o primeiro vídeo em que operei o final cut (tirei uma semana de férias do trabalho e ia à noite para a casa dos Irmãos Pretti, que estavam fora, filmando o Sonata das Sombras). A ressaltar: um pequeno efeito de edição em que tento postergar a divulgação do resultado, cortando para diferentes pontos de vista, e o momento do resultado, num plano-sequência filmado com grande energia e urgência.

Canção de amor 

(2004, 11´16´´)

SINOPSE: Um filme-desabafo. Uma autobiografia. Uma declaração de amor possível. Uma canção sem som. Um filme sobre o desajeitamento, sobre a crise de expressão e a impossibilidade da linguagem. Um filme sobre a dor.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Câmera: Marcelo Ikeda e Joana Peregrino. Com Marcelo Ikeda. Sem áudio.

COMENTÁRIOS: Uma tentativa de integrar o interior e o exterior. Uma tentativa embrionária de utilizar a palavra em cartelas de texto (tão frustrada que nunca mais repeti; em outros curtas, a palavra é soada). Uma tentativa de falar sobre a minha solidão e esvaziamento. Hoje, sinto que esse curta é um rascunho para o Eu te amo, que atingiu resultados mais expressivos.

Cinediário 

(2004, 22´16´´)

SINOPSE: A rotina e o processo criativo de um cineasta que registra a mesma cena, no mesmo horário, por cinco dias consecutivos, através da janela de seu apartamento.

FICHA TÉCNICA: Direção, Produção, Edição: Marcelo Ikeda. Fotografia e Câmera: Luiz Pretti. Elenco: Felipe Nepomuceno.

APRESENTAÇÃO (escrita em 2004): Cinediário é um curta que reflete sobre o processo de criação do artista. Obcecado por uma imagem, um cineasta registra a mesma cena, no mesmo horário, durante cinco dias consecutivos, através da janela da sala de sua casa. O trabalho rotineiro do artista se revela a matéria-prima do processo de criação. Cinediário recusa as motivações psicológicas e a visão da criação como fruto da inspiração repentina, tratando a matéria fílmica como um processo materialista em que a transpiração se revela muito mais necessária que a inspiração.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR  (escrita em 2004): A maioria das obras que abordam o processo de criação do artista tendem a vê-lo como um excêntrico que, através do seu contato individual com pessoas ou situações peculiares, busca uma súbita inspiração para fazer sua obra de arte. O artista está envolto em uma aura romântica que torna o processo de criação quase como um dom divino. Em Cinediário, busquei o avesso dessa leitura romântica. Para esse artista, o processo de criação está intimamente relacionado com sua própria rotina diária que, de forma orgânica, se articula com seu próprio viver. Em seu mundo interior, ele encontra sua inspiração com um olhar para fora, através da janela. Mas este é apenas o ponto de partida de um processo íntimo e meticuloso. Aqui, não interessa as motivações psicológicas ou os devaneios do artista, e sim o processo em si de construção de sua arte, relacionado à repetição e à transpiração, o que torna Cinediário quase um conjunto de “variações em torno do mesmo tema”.

COMENTÁRIOS: Os Irmãos Pretti apresentaram para mim e para o Ivo Lopes Araújo um filme inesquecível que eles haviam visto por indicação de Julio Cesar de Miranda, da Politheama: O Sol do Marmeleiro (1990), de Victor Erice. Nós quatro combinamos que faríamos curtas influenciados pelo filme do Erice e os juntaríamos num longa. Primeiro, Ivo realizou Enquadros. Em seguida, eu também quis fazer o meu (só faltou o dos Irmãos Pretti rs). Para o meu filme, busquei fazer um trabalho de decupagem, sobre um extracampo que pulsa, e que nunca vemos. Uma outra forma de fazer um vídeo caseiro: um artista que cria em sua própria casa, que cria enquanto vive e vive enquanto cria. A rotina como fermento para a criação. Mesmo trancado em casa, o artista se mantém ativo e curioso pelo mundo que pulsa lá fora. Este foi o primeiro vídeo que editei no meu próprio G3. Pude testar, mesmo que de forma embrionária, texturas sonoras diferentes para cada um dos dias. O ator foi o também realizador Felipe Nepomuceno, que foi muito gentil em aceitar participar (mesmo depois de relutar muito!): sua atuação é um achado!

Auto-Retrato do artista durante a gestação 

(2005, 16´09´´)

SINOPSE: Um experimento autobiográfico. Um dia na vida do artista. Um casulo desarrumado. Antes, durante e depois.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com: Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR (escrito em 2005): O artista pode até criar a partir das impressões do mundo à sua volta, mas, no ato da criação, o artista se volta para dentro de si.

O artista cria a partir de um contato íntimo com o seu interior.

Para criar, é preciso arrumar a casa: limpar a geladeira, colocar as roupas sujas para lavar, jogar fora aquilo que já não serve e apodreceu dentro de si.

Essa é a matéria-prima da criação, mas não se trata de mera disciplina, trata-se na verdade de um exercício de viver, de um modo de ser diante do mundo e das coisas.

Há tanta coisa por se arrumar que muitas vezes não sabemos por onde começar! E provavelmente nunca iremos terminar nossa arrumação.

Mas, depois de mais um dia de faxina, o que resta ao artista?

COMENTÁRIOS: Auto-Retrato partiu de um desejo de tentar experimentar um pouco com a comédia, uma espécie de “autoavacalhação”, entre as origens bregas japonesas e o samba-enredo. Mas no final, tudo se revela, num plano bastante típico do que procurei desenvolver nesses subversivos “vídeos caseiros”.

O posto 

(2005, 15´20´´)

SINOPSE: Num local completamente deserto, um guarda vigia uma enorme caixa de madeira cujo conteúdo não pode ser revelado. Com a chegada de um misterioso viajante, o guarda passa a questionar qual o sentido de sua missão.

FICHA TÉCNICA: Roteiro e Direção: Marcelo Ikeda. Fotografia: Daniel Neves. Montagem: Tatiana Carvalho. Direção de Arte: Marcella Morizot. Assistente de Direção: Ivo Lopes Araújo. Trilha Sonora Original: Luiz e Ricardo Pretti. Elenco: Rodrigo Oliveira (“Guarda”), Bruno Ferrari (“Viajante”), Filipe Cangussú (Menino). 16mm.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR (escrito em 2005): O posto é um projeto bastante diferente e ao mesmo tempo bastante similar a meus outros curtas-metragens. Nesse projeto, busquei fazer um trabalho essencialmente narrativo mas que tivesse um vigor de linguagem – no uso da câmera, na montagem e no som –, e que fosse, a meu modo, uma espécie de declaração de princípios do que busco no cinema, do que pretendo fazer em meus trabalhos posteriores. Procurei fazer um trabalho simples, todo passado em uma única locação e com dois atores. Quis também colocar minha influência de cinéfilo, com referências que vão de Cidadão Kane a Morangos Silvestres. O posto é uma espécie de “conto moral”, passado num tempo e local indefinidos. É também uma pequena e modesta reflexão sobre como o poder é uma grande ilusão.

A história deste curta é a de um guarda, com sua obsessão pela vigilância, pela disciplina e pela racionalidade. Com a chegada de um viajante, o guarda passa por um sentimento de crise: crise de sua missão de tomar conta de uma caixa, crise de sua própria identidade pessoal. O guarda passa pela primeira vez a questionar a si mesmo, a se deparar com seus próprios limites, com a miserabilidade de sua condição. A liberdade do viajante passa a ser uma ameaça à vida de segurança e sem riscos do guarda. Mas, rompido esse casulo, o que resta ao guarda, além de sua medíocre ilusão de poder? Desfeita a ilusão, quem passa a ser esse guarda?

Natal 

(2005, 15´42´´)

SINOPSE: O Natal é uma época de paz e prosperidade, quando toda a família se reúne para celebrar a chegada do menino Jesus. Mas a família Ikeda se esqueceu que tinha um filho aspirante a cineasta…

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com a família Ikeda.

COMENTÁRIOS: Natal é uma espécie de corpo estranho em relação a meus trabalhos. Permaneço no tema da casa e da intimidade, mas aqui busco filmar não apenas a minha solidão na casa vazia, mas a reunião da minha própria família no Natal. Busquei experimentar um trabalho de movimentação de câmera na mão e de aceleração do tempo que colocam o curta num regime bem distinto dos meus filmes anteriores. Utilizei de forma jocosa alguns recursos do cinema silencioso para compor um falso filme infantil, baseado numa ideia de humor e ingenuidade, um pouco aos moldes do Auto-retrato. Mas o texto confessional final retoma o filme para uma atmosfera reflexiva mais sóbria e autocrítica.

Um filme abstrato – parte I 

(2005, 9´37´´)

SINOPSE: Um filme abstrato em quatro partes: 1) a casa; 2) o mundo; 3) as coisas; 4) eu. A casa, a solidão, a estética materialista, o trabalho de estrutura, um filme pessoal sem psicologia.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Sem áudio.

COMENTÁRIOS: Um filme abstrato – parte I apresenta vários elementos que desenvolvi na fase inicial de meus videos caseiros: o olhar para pedaços recortados da casa como em Entremeio; as cartelas com frases existenciais sobre minha solidão como em Canção de amor; os objetos espalhados pela casa, filmados em câmera na mão como em Casulo; a oposição entre interior e exterior, entre mim e o mundo. Ao final, um elemento novo: um desenho caseiro abstato sugere essa relação tácita entre a representação abstrata e a interioridade intimista.

Um filme abstrato – parte II 

(2005, 7´41´´)

SINOPSE: Um filme abstrato feito de cor e som. E de ritmo. E de Mark Rothko e Stan Brakhage. As cores dos sons e as sonoridades das cores. Por um cinema puro.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Ao receber constantes comentários que meus “vídeos caseiros” eram pálidos e silenciosos, resolvi fazer um exercício simples: compor um filme exclusivamente composto por imagens de cor e timbres de som, formando uma dança rítmica entre as diversas combinações dos tons monocromáticos de imagem e som. Uma singela homenagem ao cinema das vanguardas, em busca de um certo cinema abstrato puro.

Abismo 

(2005, 20´)

SINOPSE: Diante do espelho, só existe nós mesmos. Apenas um corpo. Um “vídeo pobre” à moda do teatro de Grotowski.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com: Marcelo Ikeda

COMENTÁRIOS: Abismo surgiu de um simples exercício em que eu buscava experimentar meu corpo e pequenas ações no interior de um plano. Surgiu de um certo desconforto com o formalismo talvez excessivo de alguns dos meus primeiros vídeos, e da consciência que era preciso desenvolver melhor o pensamento de um corpo em movimento no plano. Além disso, dados os precários dispositivos dos meus vídeos caseiros, era preciso trabalhar melhor a consciência de como filmar o meu próprio corpo em movimento. Ao ver o resultado final de um desses exercícios, senti que poderia exibi-lo como uma obra autônoma. Fiquei surpreso como, sem qualquer roteiro, totalmente na base do improviso, fui deixando meu corpo reagir naturalmente a pequenos impulsos criados como disparadores, e como os desdobramentos acabaram apontando para algo que vai além dos simples movimentos do corpo, na direção do vazio ou desse intangível de mim, numa espécie de ritual de expurgação ou de limpamento. Nessa época, comecei a ler sobre teatro, e fiquei muito impressionado com Artaud e Grotowski, especialmente o último, que me deu insights muito fortes para a escrita do Cinema de Garagem.

a bag in the wind 

(2005, 2´04´´) 

SINOPSE: Um plano-sequência de uma sacola ao vento. Tempo, matéria, espírito.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Retomando a veia estruturalista de Entremeio, realizei alguns vídeos com um único plano, como uma referência direta ao extraordinário filme do Marcellus L., a man. a road. a river. e ao ainda mais extraordinário Five, de Abbas Kiarostami. O que estava em jogo era ter sempre ao meu lado uma câmera e captar momentos aparentamente banais do cotidiano, mas que, num segundo olhar, poderiam se apresentar com um rigor particular, como se o mundo acabasse refletindo, mesmo que de forma não intencional, dispositivos de mise en scène. Ou seja, essa díade de vídeos (a bag in the wind e a woman. an airport. an escalator.) é um exemplo de um exercício diário de perscrutar a mise en scène que se esconde por trás da aparente banalidade do nosso cotidiano.

O primeiro, a bag in the wind, possui uma grande simetria: dura exatamente dois minutos, com uma estrutura em espelho que acompanha o leve movimento de uma sacola de plástico, do despertar à paralisia. Na verdade, uma simetria produzida, uma vez que se trata de um plano de um minuto, duplicado por meio de um reverse.

É hoje 

(2006, 4´20´´) 

SINOPSE: Um outro olhar sobre o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Fotografias e imagens capturadas pela câmera de um celular.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

APRESENTAÇÃO (escrita em 2006): O Carnaval do Rio de Janeiro é mundialmente conhecido por ser um dos maiores momentos de celebração e de alegria do povo brasileiro, em especial quando milhares de pessoas se reúnem para assistir aos desfiles das escolas de samba. Mas, a partir de fotografias e imagens capturadas por uma câmera de um celular, busquei apresentar em É hoje um outro olhar sobre os desfiles das escolas de samba: denso e melancólico. Distante do espetáculo multicolorido, o próprio autor cantarola um dos sambas de maior sucesso popular, mas num ritmo lento e reflexivo, quase oposto ao da agitação da multidão. Com isso, o curta funciona como uma espécie de contraponto ao discurso publicitário de explosão de alegria, comumente associado ao festejo.

COMENTÁRIOS: É hoje foi realizado a partir de uma provocação do Dellani Lima, para que eu fizesse mais vídeos na linha do Alvorecer. Então pensei em retornar às escolas de samba com base em fotos que eu havia tirado do desfile. É um de meus trabalhos mais bem recebidos, por ser curto e acessível. As fotos que privilegiam espaços vazios e a forma melancólica como o famoso samba é cantado expressam um radical contraste com a euforia do desfile. As fotos, tratadas com uma hipersaturação, acentuam o contraste das cores, o que dialoga com o choque entre movimento e paralisia.

Eu te amo 

(2006, 8´44´´) 

SINOPSE: Eu te amo. Eu preciso te amar.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Com: Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR (escrita em 2006): 

Vivemos em um mundo completamente massacrado pelos clichês do cinema hollywoodiano, das novelas televisivas, dos anúncios publicitários e dos videoclipes.

A imagem se tornou totalmente banalizada.

E a vida se tornou fruto de uma imagem, de um rótulo, de uma campanha de vendas.

Dessa forma, como é possível dizer EU TE AMO com um frescor, sendo realmente verdadeiro?

E mais: como é possível dizer EU TE AMO a partir de uma representação, de uma imagem que tenha uma energia vital, uma verdade, uma essência?

Isto ainda é possível?

Não sei. 

Este pequeno curta é uma reflexão sobre a possibilidade de se dizer EU TE AMO nos dias de hoje, e sobre a possibilidade de dizer isso por meio de imagens e de sons.

COMENTÁRIOS: Eu te amo foi a tentativa de fazer um filme completamente livre, regido pela lógica da poesia. Nesse filme, busquei, tendo como ponto de partida minha interioridade – meus sentimentos íntimos, minhas angústias, minha solidão – atingir um estado de espírito que transcendesse meu mero eu e tocasse em questões do mundo. No fundo, para além da auto-descoberta, é uma tentativa de um cinema de inspiração metafísica, como se o cinema fosse um caminho possível de ascese ou de busca pelo sublime.

a woman. an airport. an escalator. 

(2007, 4´07´´) 

SINOPSE: Um plano-sequência de uma escada rolante. Tempo, matéria, espírito.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR (escrito em 2007): Ao redor de nós, em situações comuns que geralmente nos passam despercebidas, pode existir todo um mundo, um sinal de vida, uma verdade. É preciso saber desenvolver nosso senso de observação e reflexão. Diante de um cenário de transformações em que o fluxo da informação segue na velocidade da luz, ficamos atônitos diante de múltiplas possibilidades e muitas vezes não conseguimos observar as coisas mais simples. Inspirado pelo novo cinema digital de Abbas Kiarostami e pelos curtas do brasileiro Marcellvs L., a woman. an airport. an escalator. abre uma série de obras que refletem sobre novas possibilidades do cinema contemporâneo, mas dialogando com as suas origens, como o cinema dos Lumières: um cinema do registro como invenção e da câmera estática para observar os micromovimentos do mundo.

Isabella 

(2008, 5´47´´) 

SINOPSE: “Quando me dei conta que tinha perdido minha Isabella, senti naquele momento que meu mundo acabou. Não sei como caminhar.” “A verdade sempre prevalecerá.” Baseado na carta escrita por Alexandre Nardoni, pai da menina Isabella, por ocasião de sua prisão preventiva, acusado pelo homicídio de sua filha.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Voz: Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: Em Isabella, assim como em Diário de uma prostituta, eu lido com um tema polêmico: neste caso, a carta de Alexandre Nardoni, suposto assassino de sua própria filha. Prossigo assim minha pesquisa com a voz e o texto, com a adaptação de uma carta, com a família, a morte, a solidão. E se ainda é possível dizer “eu te amo”. As imagens curiosamente foram filmadas no Uruguai, em Punta del Este, bem antes da tragédia.

Domingo no parque 

(2008, 12´22´´) 

SINOPSE: Um domingo no Parque Barigui em Curitiba.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: Domingo no parque acompanha um domingo comum na vida de pessoas comuns em um parque, em momentos de descontração e lazer. Esse parque e essas pessoas são apresentados através de um cinema da observação, com grandes planos gerais e de longa duração, dialogando com uma tendência do cinema contemporâneo, especialmente dos trabalhos em digital do cineasta iraniano Abbas Kiarostami. Mas, ao mesmo tempo, há um olhar bastante particular sobre esse parque, que revela uma intimidade e um distanciamento. Até culminar em um final sugestivo, em que todo esse aspecto realista definitivamente se rompe.

Diário de uma prostituta 

(2008, 11´17´´) 

SINOPSE: A rotina do trabalho, a despedida da família e os sonhos de uma mulher. Um olhar, em três atos, sobre o livro O doce veneno do escorpião, de Bruna Surfistinha.

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Narração: Marcelo Ikeda.

COMENTÁRIOS: Quando, por acaso, li o livro autobiográfico da Bruna Surfistinha, pensei em uma adaptação fílmica que retirasse ao máximo toda a carga de espetcularização midiática em torno de sua figura, investigando se ainda seria possível vê-la como uma pessoa qualquer, mas sob a carga do melodrama. Distante de todo espalhafato, uma abordagem sóbria e minimalista, quase espiritual, na busca pelo sublime. Para mais detalhes, vejam a carta de intenções que escrevi sobre o filme em http://www.cinecasulofilia.com/2009/11/diario-de-uma-prostituta.html 

Carta de um jovem suicida 

(2008, 25´15´´) 

SINOPSE: Uma mãe chega ao apartamento de seu filho e encontra uma carta de suicídio endereçada a ela. Ela precisa enfrentar as consequências dessa carta em sua vida.

FICHA TÉCNICA: Direção e Roteiro: Marcelo Ikeda. Elenco: Cristina Aché, Franco Almada. Assistente de Direção: Daia Flórios. Fotografia e Câmera: André Scucato e Cristina Pinheiro. Direção de Arte: Abelardo de Carvalho. Figurino e Assistente de Arte: Mariana Abreu. Edição de Som: André Scucato, Cristina Pinheiro e Marcelo Ikeda.

DECLARAÇÃO DO DIRETOR (escrito em 2008): Carta de um jovem suicida explora o relacionamento de uma mãe e seu filho, de uma maneira pouco convencional: eles se comunicam através de uma carta de suicídio desse filho endereçada a ela. Mais que explorar os motivos que o levaram ao suicídio, esse curta examina as consequências dessa carta na vida dessa mãe. Ela deve enfrentar o fato que, mesmo provavelmente sendo a coisa mais valiosa de sua vida, ela não foi capaz de conhecer esse filho de verdade, e quando percebeu isso, era tarde demais.

O antes, o durante e o depois (do conhecimento do suicídio) são na verdade um único tempo, pois o fluxo do rumo das coisas é contínuo e ininterrupto. Por isso, a importância do plano-sequência, de modo a valorizar a organicidade do percurso interior dessa mãe, em direção a esse filho e, no fundo, em direção a si mesma.

COMENTÁRIOS: Carta de um jovem suicida representou um primeiro desafio de filmar com uma equipe e dirigir atores, ainda que com um modelo de produção bem precário (foi filmado em meu próprio apartamento). O curta é filmado todo em um único plano sequência de 25 minutos, com muitos desafios para uma pequena equipe de produção que arrastava móveis e guardava e retirava objetos no cômodo em extracampo.

É curioso pensar como esse curta possui tantos elementos em comum com meu primeiro trabalho, o Depois da noite, de forma que chego a pensar de que se trata de uma refilmagem, agora mais elaborada. Este curta, junto com o Diário de uma prostituta e o Isabella, formam uma estranha trilogia, inserindo um novo componente em meus trabalhos: ao invés do silêncio, o texto lido. De qualquer forma, aqui ainda há o silêncio. 

Sabi 

(2011, 15´)

SINOPSE: O interiorano bairro de Sabiaguaba é o local onde jovens cineastas de Fortaleza buscaram como refúgio da agressiva urbanização da cidade. Amizades, projetos, amores, filhos nasceram e floresceram em “Sabi”. Esses artistas desenvolveram uma relação íntima entre um modo de viver e de criar.

FICHA TÉCNICA: Direção: Dellani Lima, Marcelo Ikeda. Roteiro, Câmera: Marcelo Ikeda. Montagem: Dellani Lima. Com: artistas em torno do Coletivo Alumbramento e moradores do bairro de Sabiaguaba, Fortaleza, Ceará.

COMENTÁRIOS: quando fui pela primeira vez para Fortaleza, para ministrar um curso na Vila das Artes, fiquei hospedado no sítio de Sabiaguaba, onde muitas pessoas do cinema independente cerearense moravam, no que seria a semente do Alumbramento. Como nessa época eu sempre levava minha câmera a todos os lugares e filmava meu cotidiano, seguindo o caminho ético de Jonas Mekas, filmei muitas imagens do dia a dia em Sabiaguaba, do modo de ser das pessoas e também do trabalho de criação (por exemplo, Alexandre Veras e Ivo Lopes Araújo na ilha de edição estavam montando Sábado à noite). Essas fitas miniDV estavam guardadas, até que Dellani Lima foi a Fortaleza em 2009, para uma residência artística. Essas intensas conversas com Dellani geraram o livro Cinema de garagem e também um novo curta. Dellani voltou para BH levando as fitas miniDV com as imagens que eu tinha gravado e montou o material. Desta parceria, foi gestado o curta Sabi.

O homem que virou armário 

(2015, 22´29´´) 

SINOPSE: Obcecado pelas tarefas rotineiras e mecânicas de seu ambiente de trabalho, um funcionário num dia acaba se transformando em um dos armários da repartição. Uma colega de trabalho, que sempre foi apaixonada por ele, tenta bolar uma estratégia para trazê-lo de volta à sua condição humana. Por trás de um certo tom de comédia, o curta apresenta uma crítica bem-humorada às relações de trabalho da sociedade contemporânea, denunciando a desumanização do trabalho e a mecanização do homem de hoje.

FICHA TÉCNICA: Direção, Produção e Roteiro: Marcelo Ikeda. Assistência de direção: Samuel Brasileiro. Direção de produção: Clara Bastos. Produção executiva: Cesar Teixeira. Direção de fotografia: Petrus Cariry. Direção de arte e Figurino: Lana Patrícia Benigno. Captação e Edição de som: Henrique Gomes. Montagem: Tiago Therrien. Mixagem: Érico Paiva. Elenco: Andréia Pires e Rômulo Braga. Com: Silas de Paula, Karla Karenina, Gustavo Lopes, Murillo Ramos, Nádia Fabrici e Daniel Florêncio.

COMENTÁRIO: O homem que virou armário foi o único, entre meus 29 curtas, que recebeu recursos públicos para sua realização, contemplado em um edital público. Minha proposta era o de prosseguir com o cinema de O posto: um curta de inspiração clássica, que abordasse como uma pessoa desperta para a vida após um encontro inesperado. Eu falava para os atores que esse curta era sobre um armário japonês que recobra a vida iluminado pelo sol do Ceará rs. Trata-se de um filme de intenso planejamento e de grande rigor de decupagem, trabalhada especialmente em campos-contracampos frontais. Aqui, combinei esse estudo das possibilidades de artesania da linguagem clássica com uma leve crítica social, abordando como a rotina do trabalho transforma as pessoas em coisas, mas com um tom de comédia desajeitada, aos moldes do cinema do Aki Kaurismaki.

Um assunto meio delicado 

(2016, 18´07´´) 

SINOPSE: Evan precisa falar de um assunto meio delicado com sua mãe, com seus professores, com seu amigo Gustavo, mas nunca consegue se expressar muito bem. Ele tenta fazer um filme, mas fracassa.

FICHA TÉCNICA: Uma produção do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará. Direção e Roteiro: Marcelo Ikeda. Direção de Produção: Josy Macedo. Fotografia e Câmera: Victor de Melo. Montagem: David Leão e Thaís Emília. Assistência de Direção: Marley Zaranza. Som Direto: Rodrigo Fernandes. Direção de Arte e Figurino: Thiago Barbosa. Edição de Som: Matheus Rocha. Elenco: Evan Teixeira e Dyego Stefann. Participação especial dos professores: Marcelo Dídimo, Marcelo Ikeda e Osmar Gonçalves.

COMENTÁRIOS: Um assunto meio delicado foi um curta todo realizado em uma disciplina modular do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará, com duração de dois meses. Convidei profissionais externos para interagir com os alunos e obtive apoios de produtoras locais, buscando expandir os muros da Universidade e promover contatos e encontros. O tema do filme explora as angústias de um aluno que realiza um filme como seu Trabalho de Conclusão de Curso. No fundo, o filme busca abordar, com humor, irreverência e num tom francamente provocativo, os abismos entre teoria e prática, e as dificuldades existenciais do jovem artista em formação, que quer muito falar algo ao mundo mas não sabe muito bem como fazê-lo, e se sente incompreendido e solitário. 

O brado retumbante 

(2016, 24´53´´) 

SINOPSE: A partir de uma montagem da propaganda política obrigatória para a eleição presidencial de 2014, o filme apresenta um debate dos rumos políticos do país através de uma reflexão sobre os discursos dos principais candidatos e sobre o papel da imagem na construção desses discursos.

FICHA TÉCNICA: Direção, Roteiro e Edição: Marcelo Ikeda e Fábio Rogério.

COMENTÁRIOS: O brado retumbante surgiu de um convite do realizador Fábio Rogério, para realizarmos juntos um filme-de-arquivo com base no horário eleitoral gratuito veiculado na TV aberta. Começamos a ver as imagens (extraídas dos canais oficiais dos partidos no Youtube) e trocar impressões sobre como elas nos afetavam durante muitos meses, até encontrarmos um recorte focado na campanha presidencial de 2014 dos três principais candidatos (Marina, Aécio e Dilma). Nossa ideia não era defender um candidato mas apontar para as contradições e o esgotamento do sistema político como um todo. Em vez de apresentar projetos para o País, a eleição virou uma uma sucessão de recursos publicitários em que candidatos carismáticos tentam seduzir o eleitor. Buscamos mostrar como a eleição virou uma questão de imagem. Para isso, procuramos intervir o mínimo possível nas imagens, compondo o filme com planos longos, que deixem ao máximo as imagens falarem por si, ficando nítidas suas contradições internas.

Impávido colosso 

(2018, 15´) 

SINOPSE: A partir de uma montagem da propaganda política obrigatória para a eleição presidencial de 1989, Impávido Colosso apresenta um debate da política no país por meio de uma reflexão sobre os discursos dos principais candidatos e sua atualidade nos rumos políticos do Brasil de hoje.

FICHA TÉCNICA: Direção, Roteiro e Edição: Marcelo Ikeda e Fábio Rogério.

COMENTÁRIOS: após a exibição de O brado retumbante, Fábio Rogério e eu decidimos prosseguir na pesquisa sobre os paradoxos do sistema eleitoral político brasileiro por meio de um filme-de-arquivo baseado no horário político eleitoral. Dessa vez, buscamos um paralelo entre a eleição presidencial de 1990 (que elegeu Collor) e a de 2014 (que reelegeu Dilma), uma vez que ambas resultaram no posterior impeachment dos eleitos. Essas imagens e contextos tão diferentes surpreendentemente revelam vários paralelos possíveis. As sementes das contradições do impeachment de Dilma já estavam plantadas desde a eleição de 1989. Para que o curta pudesse circular mais, decidimos fazer uma montagem mais picotada e com duração que não excedesse 15 minutos. A montagem mais dinâmica e as interferências no sinal de vídeo foram muito influenciadas pelos comentários de Renato Vallone, mentor do laboratório no Pirenopolis.doc, onde uma versão do filme foi apresentada.

Cartas

CARTAS AO CEARÁ 

Carta ao Ceará #02

(2009, 12’16´´)

Naquela fria noite em minha casa, me lembrei de alguns de vocês. Estava só e me aqueci com uma canção, enquanto dormia.

Carta ao Ceará #03

(2009, 10’)

Quando estive em Muniz Freire, me lembrei de alguns de vocês. Dois caminhos.

Carta ao Ceará #04

(2009, 4’13´´)

Quando estive em Parati, me lembrei de alguns de vocês. Entre os cachorros e os pombos, um olhar. Filmar é escolher. Deixar de fora. Como a vida.

Carta ao Ceará #05

(2009, 3’)

Quando estive em Parati, me lembrei de alguns de vocês. E do Five do Kiarostami.

Carta ao Ceará #06

(2009, 9’52´´)

Na Taíba, me lembrei de vocês. Somos pequenos diante do mundo, mas somos.

CARTAS DO CEARÁ + CARTAS AVULSAS (2011-14)

Carta do Ceará #01 

(2011, 7´30´´)

Quando saí de lá, me lembrei de vocês e deixei uma janela aberta. Uma despedida do Dona Bela, minha primeira casa em Fortaleza.

Carta do Ceará #02 

(2013, 3´24´´)

Um grupo de amigos tocam. Enquanto isso, vivem. E eu os observo. P&B.

Cartas avulsas

Nascer e florescer 

(Carta para Vânia Catani) 

(2011, 3´)

“A nossa vida é nascer e florescer / Para mais tarde, morrer!” Manacéa.

Tuca no parque 

(Carta para Dellani Lima) 

(2013, 8´18´´)

Visita ao Inhotim com Ana Moravi e Dellani Lima. Episódio #09 da Sincera Forma do Mundo, projeto de blog/tumblr criado por Gabriel Martins, disponível em https://sinceraformadomundo-blog-blog.tumblr.com/ .

Valpo 

(Carta para Diego Hoefel) 

(2013, 9´20´)

Diego Hoefel, professor do curso de Cinema da UFC, defendeu sua dissertação de mestrado sobre o rosto como paisagem. Ao visitar Valparaíso, lembrei-me de seu texto, e ofereci um contraponto: “a paisagem como rosto”.

Fortaleza é um ovo 

(Carta para Sara Síntique) 

(2014, 2´55´´)

Performance de Sara Síntique, realizada no Passeio Público, em Fortaleza.

CARTAS DO CEARÁ 2015 

Carta do Ceará 2015 #01 

(2015, 50´29´´) 

Antes e depois. O fora e o dentro. A casa em dois momentos. Cor/P&B.

Carta do Ceará 2015 #02 

(2015, 6´14´´) 

Uma noite. A casa. O vento e seus incensos.

Carta do Ceará 2015 #03 

(2015, 16´14´´) 

A casa e seus cantos. São neles que me escondo e que me encontro. O que há de mim ali?

Carta do Ceará 2015 #04 

(2015, 54´29´´)

A casa, o quarto, uma janela. Um estudo sobre a luz. O fim de um dia.

CARTAS DO CEARÁ 2016 

Carta do Ceará 2016 #01 

(2016, 4´34´´)

Um final de semana com o Coletivo CUAL em Salvador (BA), comemorando meu “aniversário”. Sorria, por favor.

Carta do Ceará 2016 #02 

(2016, 4´59´´)

Uma festa noturna em Olinda (PE), com alunos e professores do curso de cinema da UFPE. Se beber, não jogue sinuca.

Carta do Ceará 2016 #03 

(2016, 3´30´´)

Fim de noite, início de dia, no encerramento da Mostra de Cinema de Gostoso, em São Miguel do Gostoso (RN). Juntos somos mais fortes.

Carta do Ceará 2016 #04 

(2016, 3´48´´)

Uma palestra e um bar, com Yuri Firmeza, entre a arte e a vida. Um encontro entre professores e alunos em Fortaleza (CE). Uma despedida.

Carta do Ceará 2016 #05 

(2016, 8´18´´)Três momentos no trabalho e na vida de Wanderson Lima, em Teresina (PI). No esporte, diferentemente da vida, é preciso haver um vencedor. E a decisão é por pênaltis.

Informações:
[email protected]



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