Novo Centro de Conservação da Cinemateca do MAM

Movimentação da saída dos acervos de documentação e não-fílmicos da Cinemateca, que ocupavam o Bloco Escola do MAM. Foto Fábio Souza, MAM Rio

HERNANI HEFFNER

A constituição de um novo espaço de guarda documental para a Cinemateca do MAM atende a uma antiga reivindicação do departamento. Desde sua criação em 1955, a Cinemateca tem desempenhado sua missão institucional de salvaguardar a memória do cinema brasileiro e mundial (tal como ele se apresenta no Brasil) sempre aquém do volume de material produzido na área cinematográfica e audiovisual, mas com todos os esforços possíveis para constituir um conjunto orgânico e suficientemente significativo de modo a subsidiar a sociedade em suas demandas de pesquisa, conhecimento e criação.

Tendo se tornado referência nacional e internacional a Cinemateca, a despeito de todas as suas insuficiências, vem cumprindo seu papel como uma das únicas instituições brasileiras a proporcionar acesso gratuito e qualificado a vasto acervo especializado e de longo alcance histórico, cobrindo boa parte do cinema feito no século passado e atual. O esforço se consagrou na condição de maior centro documental sobre cinema do país, atualmente com mais de dois milhões e meio de itens documentais sob sua guarda, parte dos quais já constituem uma significativa coleção de obras e documentos raros e centenários.

A questão de um espaço de guarda “definitivo” sempre existiu para a Cinemateca do MAM, como de resto para a grande maioria dos demais arquivos de filmes, mesmo aqueles com condições financeiras melhores. Como arquivo corrente e devido à contínua incorporação de materiais, incluindo os nascidos digitais, que começam com um disco duro de computador e terminam em grandes data centers, o local de guarda sempre foi “provisório” na história da Cinemateca. Antes mesmo de ela aportar na sede do MAM em 1964, quando se criou formalmente o setor de documentação e pesquisa, já havia uma documentação acumulada sob forma de livros, recortes, cartazes e demais peças, pois a primeira doação documental ocorreu em 1958, feita pela distribuidora de cinema United Artists.

Nesse sentido, o setor de documentação e pesquisa começou informal nas sedes provisórias, migrou para o Bloco de Exposições em 1964, quando foi criado formalmente, migrou novamente para o Bloco Escola em 1979 e agora está em processo de mudança para o novo Centro de Conservação à Rua do Senado, 204, no Centro do Rio de Janeiro. A migração atual compreende mais do que a simples mudança do acervo documental estrito para o novo endereço. Abarca todo o acervo não–fílmico (película) da Cinemateca, que cresceu uniformemente ao longo das últimas seis décadas sob a forma de material documental típico (livros, periódicos, cartazes, dossiês de recortes e material publicitário, fotografias, etc.), mas também a partir dos anos 1980 agregando coleções de equipamentos de cinema, e na década seguinte de materiais audiovisuais em suporte videomagnético (1 polegada, U-matic, Beta, DV, etc.) e em mídia ótica (DVDs e Blurays), configurando, em verdade, um acervo de múltiplas tipologias e suportes, acrescido de uma central técnica de digitalização, tanto para impressos como para materiais audiovisuais videomagnéticos analógicos, redesenhando o espaço como um grande centro de conservação e não apenas um centro de documentação e pesquisa.

Como Centro de Conservação, a unidade está dividida em dois prédios, um com dois andares, destinado à equipe de trabalho, sala de consulta, central técnica e reserva técnica de objetos tridimensionais (equipamentos como câmaras, projetores, moviolas e outros), e outro prédio com três andares, que abrigarão basicamente biblioteca, hemeroteca e arquivos particulares, no terceiro andar; acervos audiovisuais videomagnéticos e em mídias óticas, no segundo andar; e coleções de dossiês de imprensa e eventos, fototeca e cartazes, no primeiro andar. Todas as áreas serão climatizadas, com parâmetros de guarda de 16o C e 50% UR, de acordo com as melhores recomendações técnicas, em particular as da Federação Internacional de Arquivos de Filmes – FIAF, à qual a Cinemateca do MAM é filiada. 

O novo Centro de Conservação atende assim a um processo de expansão do acervo, verificado a nível internacional com a criação de unidades similares em várias cinematecas e arquivos de filmes do mundo desde os anos 1990 e acelerado nos últimos anos. No histórico da Cinemateca do MAM a solução vem sendo discutida desde o começo da década, quando o acervo deu os primeiros sinais de esgotamento próximo do espaço de guarda. O esgotamento se agravou quando do fim da empresa de produção e dublagem Herbert Richers, fechada desde 2011 e cujos terrenos foram a leilão em 2014, sendo todo o acervo encaminhado pelo comprador para a Cinemateca até meados de 2015 (foram 8 caminhões de documentos, fitas, CDs de áudio, equipamentos etc.).

Na mesma época foi fechada também a Labocine, antigo laboratório comercial de película, responsável pelo processamento de boa parte do cinema brasileiro até março de 2015. A chegada desses dois grandes acervos documental e de película, respectivamente, sinalizou a necessidade imediata de definição de um novo espaço de guarda, o que começou a ser desenhado ainda ao fim de 2018. A busca não deveria levar em conta apenas a dimensão espacial, suficiente para o tamanho do acervo atual, mas também outros aspectos importantes como a carga (peso) do acervo e sua tipologia diferenciada. Preferiu-se um espaço seccionado, em vez de um grande galpão, por exemplo, por ser facilmente climatizável e observar normas de segurança, incluindo a possibilidade de monitoramento à distância. Particular atenção foi dada à necessidade de instalação da central técnica de digitalização, tanto para documentos impressos, fotografias, negativos e cromos, como para os suportes audiovisuais videomagnéticos analógicos em sua variedade histórica e técnica (os vários tipos de fitas U-Matic, por exemplo).

Após percorrer dezenas de endereços na cidade do Rio de Janeiro ao longo de 2019, as edificações da Rua do Senado, 204 foram descobertas em agosto e se mostraram adequadas à recepção do acervo, requerendo intervenções mínimas de engenharia civil, climatização e segurança. Foi desenvolvido um planejamento de trabalho para a mudança do acervo, com contratação de uma equipe de 20 colaboradores, muitos dos quais haviam sido ou eram voluntários na própria Cinemateca, definição de uma logística de translado e um cronograma de mudança e posterior alocação no novo endereço. O início da mudança foi marcado para os primeiros dias após o carnaval de 2020 e deveria seguir um ritmo acelerado, prevendo-se a abertura do novo Centro para coincidir com as comemorações dos 65 anos da Cinemateca em julho.

Com a pandemia do covid-19, todo o processo teve de ser interrompido, prevendo-se uma retomada em breve e uma conclusão até o final de 2020, com todo o acervo já devidamente desembalado, revisto e alocado. Dessa forma, o atendimento ao público externo deve ser retomado logo nos primeiros dias de 2021.

Prevê-se ainda que o novo Centro de Conservação homenageie o crítico e ensaísta José Carlos Avellar, que trabalhou na Cinemateca do MAM de 1969 a 1985, e a dirigiu no biênio 1991/2. Seu nome será ainda submetido ao Conselho do MAM, e já conta com a aprovação da viúva de Avellar, a designer gráfica Cláudia Duarte. Ela doou o acervo documental e fotográfico de Avellar para a Cinemateca, onde constituirá mais um arquivo particular de grande importância dada sua trajetória pública, assim como a biblioteca do crítico. O acervo de filmes de Avellar sempre esteve depositado junto à Cinemateca do MAM.

 

HERNANI HEFFNER é conservador-chefe da Cinemateca do MAM.

Assista vídeo sobre a mudança:

Registro sobre o processo de mudança do acervo fílmico e de documentação e pesquisa da Cinemateca do MAM Rio para o novo Centro de Conservação à Rua do Senado 204, no centro da cidade do Rio de Janeiro.



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