ou O Pornô Tropical, por Louis Skorecki (Libération, 11 de fevereiro de 1985)
Uma dúzia de filmes de Nelson Pereira dos Santos (cobrindo o período 1955/84), um Carlos Diegues raro de 1977, o belíssimo Cabra Marcado para Morrer de Eduardo Coutinho (que recebeu o Grande Prêmio no FestRio): o Brasil estava muito bem representado em Roterdã.
Mas foram dois filmes de um cineasta de São Paulo, Carlos Reichenbach “filho”, que produziram o acontecimento. De fato, ainda que ele seja uma figura-culto de São Paulo, nem ele nem seus filmes tinham, por assim dizer, saído do Brasil. Vendo-os, somos tomados de vertigem: é como se um ramo do Cinema Novo tivesse crescido por quinze anos sem que nos déssemos conta completamente de sua existência.
Com efeito, longe do Rio e de seus cineastas exportáveis (via Embrafilme), espécies de primos inimigos nasciam no cinema, saindo pela primeira vez de uma Escola, a primeira do Brasil, e reivindicam como influências apenas Glauber Rocha, o Fritz Lang do período americano, Godard e o cinema japonês, que eles conhecem de cor (Reichenbach viu seus primeiros Ozu em 1960 e cita como principais influências, além do poeta Oswald de Andrade: Imamura, Yasuzo Masumura e sobretudo Eizo Sugawa).
Imagina-se que a soma de todos esses componentes, à qual é preciso ainda adicionar a hipertecnicidade (Reichenbach é diretor de fotografia de todos os seus filmes, assinou a fotografia de trinta outros e trabalhou em publicidade) e o recuo crítico (ele foi jornalista de cinema, em particular para o jornal japonês São Paulo Shinbum), todos esses componentes formam um cinema em que o mínimo que se pode dizer dele é que não é simples.
Lilian M., Relatório Confidencial (1975) se apresenta como a narrativa estilhaçada (“um filme sobre o cinema que não fala de cinema”) da vida amorosa de uma jovem do campo. De sua vida erótica, principalmente: penetrada bestialmente por um marido frustrado, seduzida por um representante de vendas, ela torna-se sucessivamente a concubina de um rico empresário, a amante de um alemão sádico (tortura com eletricidade, cenas de perseguição à fêmea), a companheira de um guerrilheiro-gângster tuberculoso e, finalmente, a “esposa” de um funcionário público modelo cuja fantasia é fazer de cada prostituta que ele encontra uma verdadeira doméstica. Mas ela não para por aí, e o filme terminará com um verdadeiro ponto de interrogação. Dividido em capítulos, Lilian M. é também entrecortado de confidências da heroína-atriz a um captador de áudio negro, e certas cenas são repetidas diversas vezes, cada vez com uma variante. Assim, na terceira “confissão” do rico empresário obeso, quando a heroína está sentada de costas para o mar (uma verdadeira “transparência”), dois ou três dançarinos põem-se a invadir progressivamente a cena, ao ritmo de uma canção de Joe Cocker, enquanto a câmera virtuosa faz zooms e rezooms por todos os lados.
Sarcástico, violento, colorido, hard, o cinema de Reichenbach se assemelha a um Fassbinder experimental, versão tropical-vulgar. Associe-se aí um pendor pela canção brega (Aznavour em inglês, por exemplo), e uma arte cara-de-pau da confissão autobiográfica que faz pensar irresistivelmente no melhor Moullet.
Reichenbach diz fazer parte de um grupo de cineastas de São Paulo (Ana Carolina, João Callegaro etc.) que formaram (entre 1967 e 1971) um verdadeiro movimento, infelizmente pouco conhecido fora do Brasil. Agora que ele se prepara para rodar seu primeiro filme pela Embrafilme (ele roda em março com um orçamento duas ou três vezes maior que os anteriores), ele tem a esperança de que a presença em Roterdã de seus próprios filmes incitará os organizadores de festivais curiosos a debruçar-se nessa misteriosa escola de São Paulo.
O que ele nos diz (cosmopolitismo hispano-ítalo-árabe-nipônico, influência do cinema brasileiro dos anos 30, a “chanchada”, que deu seu nome a uma nova onda de cinema porno soft: o próprio Reichenbach realizou um desses, que foi um enorme sucesso comercial) nos entusiasma muito. Ainda mais que a evolução de Reichenbach, se julgarmos por Amor Palavra Prostituta (realizado seis anos depois, em 1981), parece fazer-se no sentido de um rigor quase místico e de uma fidelidade delirante a seus próprios temas: é o calvário de quatro personagens, um intelectual que não para de refletir, um sedutor autoconfiante (“olha o meu pinto, como ele é grande, é a força, é disso que você gosta”), e as suas duas mulheres, ainda mais neurotizadas. Uma relaciona-se com um velho industrial impotente, enquanto a outra aborta e tem hemorragia, obrigando o doce intelectual a interpretar o enfermeiro dolorido e sulpiciano. Tudo isso com um fundo de moralidade ultrajada e de perversidade pequeno-burguesa suprabuñueliana: a mãe pobre do sedutor indo acender uma vela enquanto seu filho transa com a filha rica do patrão, em sua própria casa.
Falam maravilhas de O Império do Desejo (1980), mas é evidentemente a obra inteira de Carlos Oscar Reichenbach filho (oito longas-metragens desde 1971,e inumeráveis curtas desde 1968) que é urgente, hoje, trazer para a Europa. Para o nosso conhecimento, claro, mas principalmente para o nosso prazer.
Louis Skorecki
Libération, 11 de fevereiro de 1985
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