Ser sagrado para cosmovisões de muitos povos originários, a serpente atravessa as galerias do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro por meio da expografia de Nakoada: estratégias para a arte moderna. Frequentemente ligada às narrativas de origem, seu corpo sibilante, sempre em movimento, nos traz de volta para o início, o momento de fundação.
Fundamental nas culturas dos povos originários, as narrativas de origem são uma maneira de estabelecer uma presença coletiva, de manter um diálogo constante com temporalidades múltiplas, em respeito aos seres que habitam a Terra. Principalmente por meio da oralidade, a repetição dessas histórias possibilita a permanência e a continuidade, cada vez de uma nova maneira.
Artistas modernistas valeram-se de muitos símbolos, seres e imagens dessas narrativas. Esse processo, resultado do fascínio e da assimilação que atribui a essas narrativas o estatuto mitológico, as distancia cada vez mais de sua gênese e de seus modos de circulação.
Quando Mário de Andrade apropria-se da figura de Makunaimã, ancestral do povo Makuxi, para dar corpo ao personagem Macunaíma, ele inventa conjuntamente um mito de criação brasileiro. Para chegar até a icônica imagem da cobra deglutindo o ovo em Urutu (1928), Tarsila do Amaral precisou recorrer às narrativas indígenas. Na obra de Vicente do Rego Monteiro, imagens e visões indígenas são traduzidas pelas estéticas do futurismo, do cubismo ou da estampa japonesa, criando uma linguagem que sublima suas origens.
Em contraponto, artistas como Jaider Esbell se aproximam das narrativas de origem, suas imagens e símbolos para criar uma arte em consonância com os modos de vida dos povos indígenas e a serviço de sua permanência.