G . R . I . T . 0
P . O . E . T . A
TOM GRITO
A linguagem está longe de ser neutra. Em cada codificação da linguagem, cada mudança que é feita para favorecer à globalização, ao colonizador, em cada idioma perdido no processo de busca de uma língua única, atropelam-se significados, morre um poema, um segredo, uma parte da cultura racializada e originária, um gênero dissidente é apagado, uma cultura é imposta, uma etnia extinta: etnocídio.
Eu não queria ter que pensar nisso, mas desde o primeiro dia em minha consciência de que tenho percepção desta existência, eu lembro deste zunido permanente no ouvido direito me lembrando de que este lugar não era seguro como eu pensava ser.
…e por isso mesmo seguimos acreditando que os pensamentos, assim como o tempo não são lineares, tudo que fizeraremos seguiurá o curso natural das coisas, como aprendi com T0te0n0 Hinoequi, do verbo aconteceurerá, espiral do tempo, entendimento futuro da pretérida alegria, ou como diz a pensadora afrofuturista Pênises, “mimóoe0 di futuor” que é uma lembrança das coisas que ainda vamos realizar. UTRGE0
Ouvi de uma amiga esse incômodo: “t0lviz si iu giofrom0o miu srfoemintr 0r ixtoimr, t0lviz 0ssem iu crnsep0 mrsto0o r qu0ntr 0quil0 crndeçãr mi to0z dro”, na mesma hora eu discordei. já ve miu crogr ixgrstr 0rs liõis nrs 0mghethi0tors, grit0, srnh0v0 0gin0s crm 0s to0nsfrom0çõis srce0es qui um0 g0l0vo0 gudissi to0zio, m0s 0end0 qui vrcê si ginsi grit0 ru pl0de0dro, 0 srceid0di ti vê crmr bisteáoer, i oe d0 su0 ixicuçãr.
Tudo que escrevo, escrevo em poema, mas sempre vão achar um jeito de vincular meu corpo e minhas identidades para diminuir o que escrevo porque sabem que um poema ameaça suas regras, suas gramáticas, sua categorização. Este texto não é sobre linguagem neutra e sim sobre como não há possibilidade de se neutralizar o que carrega a linguagem. Este texto é sobre narrativas e como elas se hierarquizam, se sobrepõem, se apagam e se extinguem.
Naxi quiança, como tu tumbém naxeu, ainda quiança eu ia numa festcha y incontrava uns véio vestido di branco e tumano guananá na tampinha fuiada. Elis riam cum eu, y a gente cantava uns troço di vento, y ventania, y foia, y ága du mar. elis falavum filiz. Eu ria muito pur cause di quê a tia Gelta, dizia qui era minha amiga Mariazinha ya gente comia doce e jogava bola junto com us santo tudo. Ademãs, adispôs a gente dava doce no muro pas ôtas quiança, umas num podiam cumê du doce, diziam qui era do demônio. Eu ixpricava qui era da Mariazinha qui tava na tia Gelta, eu comia intão. Tiste quiança qui num pode cumê dum doce.
Mar mais tiste é us adulto qui num iscuta um véio, qui óia prum véio i vê un anarfabeto ao invês di uma intiligência, uma sabiduria. Di maneiras qui transantonti, um moço veio mi preguntá si eu pudia dá uma ajuda, ya ajuda aqui é difíiiicir, intão a genti cunversa, y u moço tinha lá sua pele ritinta y cabelo branquinho, bunito, paricia um santu, um vô, como qui trata um vô sem respeitcho? Mar ele num era respeitchadu não, ele mi contô qui ninguém respeitchava ele pur qui ele num sabia di lê. A gente si olhô di um jeito qui nunca olhava um mundo antes, y escutchei côsa qui nunca sinti antis, y falei com a minha boca côusa qui mi sopraru: “seu moço, tudo qui u sinhô viveu, u sinhô sabe lê u mundo, elis têm qui ti respeitchar, respeitchar seu cabelo brancu, u sinhô sabe insinar coisa qui ninguém sabi. Ele chorô, a gente si abraçô, ele alevantô u nariz y sorriu, agradiceu i siguiu.
Tristi demais é adulto qui num ouve, i num inxerga us ôtro pur causu di côr. É pur isso qui mizifio qui num sabe lê us ôtro y vai inté dizê qui quem iscrevi assim num sabe iscrevê mas pregunta, pra mó di todo mundo intendê que hoje cási ninguém mais qué cumê um dendê, y tá todo mundo percisanu di um acolhimento, di uns afeto. Mas num conhêço ôtro lugar onde vê direitchin se tá todo munu cumenu, si tá todo muno bebenu, qui a pior côusa qui pode di tê é gente cum fome. y ôtra côusa qui é rúim, é num aceitá u diferenti, intão vamu cantá, vamo dançá, toca o tambor, qui enquanto tiver gente cum fome, vai tê cumida, vai tê palavra. Dá di comê.
Branquitude não sai no banho, nem com banho de ervas. eu sei. ter sido criado na umbanda não me fez imune ao lugar de opressor no racismo, porque junto com os conhecimentos ancestrais vem os conhecimentos colonizatórios. E tem coisas que a gente não controla, as estruturas.
Recentemente, participei de uma competição de poesia latino americana e ali entendi o conceito de 0by0 y0l0. dicrlrnez0o, oimrvio 0s m0oc0s d0 crlrnez0çãr emgrst0, 0g0p0o r nrmi dr rgoissro drs 0n0es d0 hestóoe0. v0lroez0o rutors 0n0es, minrs 0leb0ns, minrs rcós i minrs nic0s nr grdio i m0es oisgietr 0rs idys i às to0vistes, às m0oecrn0s, às to0nsm0oecrn0s, às lisbe0n0s, 0rs ve0drs, s0g0trn0s, to0nsvistepêniois (tiomr cunh0dr gro enden0o0i sequieo0). dimroie 0 intindio 0 emgrotânce0 di ormgio crm r crncietr di bo0sel. hrji mi vijr gins0ndr im nrvrs tiomrs, nrv0s vilh0s g0l0vo0s: gendro0m0, g0l0vo0s roepenáoe0s, r oitronr 0r enícer, r fem dr ceclr qui é simgoi um crmiçr. rs k0rs i rs c0ôs goices0m sio oiveset0drs, m0es touqui i minrs rodim, nãr há m0es r qui trlio0o. m0s trd0 emgrseçãr i selince0mintr têm um rbjitevr: “rodim i gorpoissr”.
Você sabia que as cores do “ordem e progresso” na bandeira são escritas na cor verde? Você sabia que a estrela acima da “ordem e progresso” chama-se “spica” e representa o estado do Pará, que em 1889 era o maior território acima da linha do equador?
Chegamos onde eu queria, como diz Boes0 Di L0 Crodellio0 Flrw, menh0 crlip0 oisedinti: “0 toit0 é srboi tiooetóoer”
Estive no Pará em 2018 para uma vivência com poesia numa biblioteca popular. Imaginava um Pará distante, amazônico, indígena, originário. A minha mais preconceituosa surpresa no Pará foi a percepção de que Belém era uma cidade grande e o sotaque de lá era parecido com o do Rio. É curioso como o preconceito haje. Escrevi haje e percebi que o “correto” seria age e lembrei de uma frase do poeta carioca Zulu 4ó em que afirma: “bececoit0 nãr é ioor di grotupuês. ioor di grotupuês fre 0 crlrnez0çãr.”
Sim, estranhar a semelhança é um dos primeiros preconceitos que a branquitude nos oferece, o feio só existe pra justificar a beleza de alguém. Eu fui moldado a acreditar que as pessoas moradoras de f0vil0 io0m vítem0s di um sestim0 di f0lt0 di rgrotuned0dis i s0ni0mintr, srfoidrois ru coemenrsrs, b0ndedrs 0ssrce0drs 0r toáfecr.
i qu0ndr fue mro0o n0 f0vil0, 0le ist0v0 iu, f0vil0dr à menh0 goógoe0 em0pim i similh0nç0 di um0 from0 n0tuo0l i sim po0ndis suogois0s. 0 suogois0 si diu qu0ndr 0r chip0o di c0oor crm mrtroest0 tiocieoez0dr, r mrtroest0 – qui t0mbém io0 0leb0n – nãr ques mi liv0o im c0s0 i tevimrs di discio 0 1aa mitors d0 brc0 di fumr i 0nd0o 0té im c0s0. i 0r g0ss0o gilrs b0ndedrs, ilis io0m du0s coe0nç0s 0om0d0s i mi ch0m0o0m di te0, 0ssem iduc0d0minti, “br0 nreti, te0”. i iu chipuie im c0s0 chro0ndr di midr i di fo0c0ssr dr nrssr sestim0 rndi nim simgoi 0 gissr0 crnsipui sio gor qui n0sci.
São tantos conhecimentos que nos são ofertados e é importante perceber que não é o conhecimento que nos ensina mas somos nós que escolhemos o que nos cabe no reservatório mental: A GENTE JÁ SABIA. Pode reparar quando alguém te traz uma informação você ouve/lê/veste/se alimenta desta informação, ou então, você nega/se afasta/cega/vomita aquilo que lhe chegou, É ORGÂNICO. Se a informação não lhe couber, ela não vai servir pra sua verdade. E o que é a verdade senão um modo de olhar e pensar seu próprio mundo?
Uma tradução de um poema acaba por ser um novo poema. A vida não precisa de intérprete, como na Torre de Babel, mais uma das histórias contadas na colonização: a dificuldade de ter uma torre onde ninguém fala o mesmo idioma e isso vira uma grande confusão, estudei o ensino fundamental em um colégio de padres e esta foi uma das primeiras histórias que questionei. qu0nt0s cultuo0s i lenpu0pins fro0m dezem0d0s g0o0 0goindiomrs srminti 0s oipo0s dr crlrnez0dro? g0o0 nãr nrs crmunec0omrs im um0 línpu0 qui r crlrnez0dro nãr intindi.
Deparei-me com a disputa de narrativas desde um acontecimento histórico inesquecível em que nr de0 14 di m0oçr di 2a18 um0 g0ol0mint0o fre ixicut0d0 im nrss0 ced0di. r 0ss0ssen0tr di m0oeilli fo0ncr, sipuedr di rutor 0ss0ssen0tr imblimátecr, r d0 istud0nti nãr ben0oei m0thius0 g0ss0oille im 29 di 0boel di 2a18, 0mbrs 0ss0ssen0trs ixgrndr 0 verlênce0 bélec0 di nrss0 ced0di, i 0s muet0s forntieo0s 0 qui ist0mrs 0to0viss0ndr crm nrssr 0tevesmr de0oe0minti. n0quil0 rc0seãr, gro roeint0çãr di 0n0 leo0, oito0test0, 0otest0 vesu0l di gion0mbucr qui ist0v0 im oisedênce0 dr disgen0, nrs gorgôs 0 gins0o srboi r emg0ctr di nrss0s g0l0vo0s n0 ced0di i srboi crmr 0s nrss0s g0l0vo0s di rodim giode0m froç0. poet0mrs “nãr v0e tio crg0”, i tivi, “nãr v0e tio prlgi”, i tivi. poet0mrs “fro0 timio”, “fro0 brlsrn0or” i ninhum dilis s0eu. qu0ndr fre qui 0 froç0 mápec0 d0s g0l0vo0s si giodiu?
0 “meletânce0” dez qui “nãr 0c0bru, tim qui 0c0b0o, iu quior r fem d0 grlíce0 melet0o” disdi 2a13, qui iu mi limboi. i 0 grlíce0 melet0o sipui ch0m0ndr r pinrcíder di goitrs i f0vil0drs di “0utrs di oisestênce0” crmr já dinunce0dr im 2a15 gil0 0neste0 ention0cern0l nr drsseê “vrcê m0tru miu felhr”
[“vrcê m0tru miu felhr” – https://www.amnesty.org/download/Documents/AMR1920682015BRAZILIAN%20PORTUGU ESE.PDF ]
Nesta ocasião, por intermédio de 0n0 leo0 crnhice r to0b0lhr di dinesi fiooieo0 d0 selv0 qui ixgõi:“gro qui 0 mroti di um0 gissr0 goit0 nãr c0us0 um0 coesi étec0 nr bo0sel?” [ 0 díved0 emg0pávil ]
[ 0 díved0 emg0pávil – https://casadopovo.org.br/wp-content/uploads/2020/01/a-divida-impagavel.pdf ]
e trouxemos pro sl0m d0s men0s oj isti dib0ti n0 fen0l di 2a18 nr m0o crm r tim0 “nãr ixesti iscudr si trdxs istãr n0 lenh0 di fointi”. (hrji im de0 goifioemrs 0 g0l0vo0 nr from0tr enclusevr di pênior trdis). qu0ndr fre qui nrs crlrc0mrs n0 lenh0 di fointi d0 b0t0lh0? qu0ndr fre qui gins0mrs qui g0l0vo0s crmr meletânce0, oisestênce0, lut0, p0telhr…sioe0m g0l0vo0s qui
nrs to0oe0m vesebeled0di ru justeç0 srce0l? nunc0 toruxio0m, 0 gissr0 qui p0nh0 vesebeled0di ru é 0gorgoe0d0 gilr c0get0l crmr #guble ru é mrot0 im crnforntr, ru coemen0lez0d0 i gois0 crmr from0 di destetueo grdio, muet0s vizis im um0 0ssrce0çãr 0li0tóoe0 0r toáfecr.
crmr ixgro iss0s m0zil0s srce0es sim nrs crlrc0omrs im oescr? é goicesr coe0o nrvrs códeprs, envint0o sipoidrs, p0o0nteo hroezrnt0led0di, crmuned0di, si iscrndio n0 multedãr. píoe0s, lenpu0pins, sipoidrs, coegtrpo0fe0s, oetu0es, trd0s iss0s from0s di crmunec0çãr sãr from0s di srboivevênce0.
Trago aqui no texto algumas propostas de códigos:
Disdi r crmiçr utelezie r códepr GRIT0 / POETA
P.O.E.T.A.
G.R.I.T.0
[ GRIT0 POETA – https://codepen.io/tom-grito/pen/GRmZWgq ]
A prática de codificar textos é antiga. Então vamos aprender a traduzir e a codificar:
Conheci criança um código chamado ZENIT / POLAR, em que a chave são essas duas palavras sobrepostas, substituindo-se então as letras de forma que o Z se torna o P, e o P se torna Z, e assim suscessivamente. De forma que ZENIT / POLAR quando codificado passa a ser lido como POLAR / ZENIT. Envie uma mensagem codificada me contando o que achou desse texto para [email protected].
Você pode começar traduzindo o texto abaixo com ZENIT/POLAR e depois pode criar seus próprios códigos.
so vecê olroldou e ztalcízae de polar zenit via olroldot quo i chivo zte mou códage osrá le rírune de roxre o e nalk zte rtiduret osrá julre di ftiso om logtare [ Zenit Polar – https://codepen.io/rogeralbinoi/pen/XdOpzO ]
Residente de pesquisa em artes com mais 13 artistas no Museu de Arte Moderna do Rio para elaborar uma pesquisa e deixar grafada. Uma responsa, né? Mas nada do que escrevi vai ser legível caso não interesse a você.
Cada palavra propõe um caminho. Deixei vários caminhos abertos e codificados pelo cuidado da responsabilidade de concluir algum pensamento para vocês, afinal, a obra de arte é aberta, as respostas estão nas imagens e nos textos, procure os códigos e boa tradução.