Por que fiz este filme

CARLOS REICHENBACH

Porque me interessa o cinema, a poesia, a música clássica, o rock, o ritmo, a pintura, o texto escrito, o jazz, a política, a dança, a pornografia, a chanchada, o filme de aventura, de mistério, de terror, a arqueologia, a mitologia grega, o teatro clássico, Brecht, Artaud, a charada, os anarquistas e os anárquicos, os socialismos utópicos, os jogos aquáticos, os teclados eletrônicos, o salto ornamental, os inconformistas, os ciganos, os outsiders, o vinho branco gelado, as cidades mortas, a prestidigitação, o circo, o exílio voluntário, os apátridas, o ocultismo, a memória, os labirintos da mente, o sexo, as minorias eróticas, os pré-existencialistas, a metáfora, o tabaco, os pré-socráticos, o delírio, o pêndulo, o riso solto, o suspense, os quadrinhos, a gag, o travelling, o graffiti, a litographia, os peixes de aquário, a hipnose, os temperos fortes, a generosidade, o âmbar, o marfim, a cor do topázio, brincar com criança, o parque de diversões, andar a pé, os arrabaldes de São Paulo, a praia do Varela em Iguape, o litoral sul paulista, a represa Billings, o alto do Tremembé, as revistas de turismo, de vídeo, de mulher pelada, o agente secreto X-9, a Encyclopedia Mirador, os poetas visionários, o realismo fantástico, o mate com leite, Fuller, Welles, Fritz Lang na América, os stands dos cinemas do centro, os clichês, as citações, os anagramas, as epígrafes, William Blake, Zurlini, Debussy, César Franck, Kierkegaard, Jorge de Lima, Hitchcock, Imamura, o Cahiers du Cinéma, Edgard Varèse, John Cage, Bernard Herrmann, Mário Gennari Filho, Lupicínio Rodrigues, Hekel Tavares, Hatari, Otávio Gabus Mendes, Limite, Person, Jean Vigo, a penúltima página do Estadão de domingo, Deus e Diabo na Terra do Sol, Brian De Palma, os Super 8 do Jairo Ferreira, Italo Svevo, Kuarup do Callado, O Estrangulador de Louras, os jingles do Callegaro, a poesia do Parolini, as conspirações do Claudio Willer, os diálogos do Inácio Araújo, o corte do Eder Mazini, a sintonia rítmica com o Shintomi, Bang Bang, A Mulher de Todos, o Zé Celso de 10 anos atrás, a tournée brasileira do Victor Garcia, os tropicalistas, Lelio Telmo de Carvalho, o extinto Inimigo do Rei, Barbárie, o experimental, o Joelho de Porco, a Boca do Lixo, Ernesto Lecuona, Fernando Pessoa, John Lennon, os Beatles, Arthur Lyman, Jim Morrison, René Magritte, Nietzsche, Kropotkin, Octavio Paz, Rosa Luxemburgo, Delvaux, Goethe, Antonioni, Poe, Godard antes do Dziga Vertov, Ravel, Oswald, o planetário, a numerologia, Heitor Marçal, a taxidermia, a colônia Cecília, Hendrix, Bruce Lee, Arsène Lupin, o 87º distrito policial, Walter Franco, Artie Shaw, Curt Siodmak escritor, Niciolas Ray, as amazonas, a alquimia, os sebos, o Amigo da Onça, Jerry Lewis, viajar de trem, de avião, de navio, os terminais ferroviários, os jogos de dedução, as vitrolas 78, Max and Moritz, Hyeronimous Bosch, o livro dos Levíticos, a missa maçônica de Mozart, Spengler, os estruturalistas, os irmãos Campos, o hiper-realismo, o xilofone, os cemitérios protestantes, o espelho, os crustáceos, a seiva de alfazema, o carpaccio, as enciclopédias, Groucho Marx, Debra Paget, Stalker, Tião Carreiro e Pardinho, o Vão Gogo, o Cony literário, Adolfo Caminha, Peppino di Capri, Oswaldo Sampaio, Wagner, Roberto Inglez, María Antonieta Pons, Slaughter on 10th Avenue (a música, o balé), Panamérica do Agrippino, Charies Trenet, Moonlight Serenade, Nino Tempo/April Stevens, J.B. de Carvalho e as músicas de ponto, Dyonélio Machado, Orlando Silva, Dorival Caymmi, Qorpo Santo, Gounod, Joubert de Carvalho, Rolling Stones, “A Tosca”, Ella Fitzgerald, Noel Rosa, Karl Korsch, a harpa paraguaia, Caligari, a montanha russa, o zen, Aquarela do Brasil, Dave Brubeck, os surrealistas, Elaine Stewart, Otto Cesana, Spirit, o “Eu Sei Tudo”, Franz Waxman, Cesario Verde, Edward Hopper, Luiz Melodia, Goya, Robert Crumb, as Edições Maravilhosas, o dr. Macarra, Roberto Carlos, Man Ray, a anestesia, o sintetizador, “O Despertar da Montanha” de Eduardo Souto, Stevie Wonder, Robert Rossen, Gérard de Nerval, Xavier Cugat, Billy Wilder, Ernesto Nazareth, Nat King Cole, o chorinho, os chorões, Ebb Tide, os oceanos, os lagos, as regiões abissais, o escafandro, Carlos Zéfiro, os tubarões voadores, os ocasos, os acarás bandeira, os elevadores antigos, a paródia, os Românticos de Cuba e a orquestra Nilo Sérgio, Yma Sumac, Lawrence Durrell, Charles Bundy, “Ao Sul de Sumatra”, Val Lewton, as araucárias, o rapé, o cantor Dean Martin, Henry Miller, Caetano Veloso, Lamartine Babo, Esopo, Nelson Rodrigues, Malba Tahan, Ketèlbey, Paracelso, Virgílio, Schumann, William Reich, The Beach Boys, Penderecki, Laurel/Hardy, o Pica-Pau, The Dream of Olwen, Lúcio Cardoso, Busby Berkeley, Bach, Victor Young, Jean Cocteau, Tito Madi, Burle Marx, Erich Fromm, Robert Musil, Paul Goodman, R.D. Laing, José Alcides Pinto, José Oiticica, Roberto das Neves e a turma da Germinal, a Padaria Espiritual, Rosário Fusco, enfim qualquer música, qualquer filme, qualquer livro, atores brasileiros como Célia Olga, Roberto Miranda, Parolini, Cattan, Benini, Patrícia Scalvi, Jonas Bloch, Luiz Carlos Braga, Dino Arino, Vanessa, Wilson Sampson, Liana Duval, Ênio Gonçalves, Ewerton de Castro, Luiz Linhares, pessoal da pesada como o Zé Manir, o Arivaldo Pereira, o Toni Gorbi, o Ronaldo, o José Valencio, o José Dias (velho Carioca), o Serginho, a Maria Antonia da maquiagem, o Mario Lucio, o sumido gênio musical Guilherme Vaz, o Oswaldinho do Acordeon, a Varotal 20/120mm, a 24mm, a macro, o quadro 1:66, talonar com o Jurandyr Pizzo da Lider de São Paulo, meu velho Spectra Profissiona, o Huer para os play-backs, e sobretudo os discos que herdei do meu pai, os poetas de cabeceira, os amigos cinéfilos, os velhos cinemas do interior, São Paulo e o Atlântico.

O Império do Desejo é a síntese destas influências. E como nos filmes que realizei antes e depois:

a) A construção de una geografia própria, imaginária.

b) A realidade através da minha dioptria.

c) Personagens que estão sempre de passagem e/ou permanência provisória.

d) Filmes de/sobre cinema, sem falar de/sobre cinema.

e) A política entrando pela porta dos fundos.

f) Plagiotropia, internacionalismo, carnavalização e inconformismo.

g) Toques libertários ao som de play-backs musicais.

h) Levar a sério, desacreditando.

i) Universos e/ou cenários construídos pelo essencial.

j) A impossibilidade do isolamento completo. A solidão que enlouquece.

l) As relações afetivas a partir do improvável.

m) A fé na utopia. Alguém já disse: “Sem utopia, não há vanguarda”.

O Império do Desejo é tudo isso, e mais. É o filme que me deu maior prazer de ter realizado. Apesar de sua produção pobre, das 24 latas de negativo, das chuvas sistemáticas em Ilha Comprida, do precário equipamento técnico e da sobrecarga de serviço. A equipe, o elenco, eu e o jovem produtor Roberto Galante nos divertimos muito driblando as dificuldades. A falta de condições transformando-se em elemento de criação. Quando uma tempestade destruiu o magnífico cenário armado pelo Conrado Sanches para o promontório de Di Branco, a equipe toda o reconstituiu em menos de meia hora. Ficamos quase uma semana ilhados num motel em Ilha Comprida, sem poder filmar nada, e nem assim a moral da equipe ficou abalada. Atores indo e vindo em ônibus maltrapilhos. A “elétrica” se desdobrando para tirar força de locais impossíveis. O final de Di Branco foi filmado com um mísero sun-gun de bateria. E a malfadada sequência 51, enorme e fundamental (Dr. Carvalho apresenta Di Branco ao casal de hippies), levou mais de uma semana para ser concluída. Era só colocar a câmera na praia, que a chuva voltava a cair. Muita gente vai cobrar a súbita aparição da caminhonete velha no filme. Fui obrigado a resumir, num único travelling, cinco sequências que explicavam a necessidade deste quase personagem. Por isso, a viúva desaparece repentinamente. Até os defeitos foram incorporados à narrativa. Um filme feito com suor, música e risos: O Império do Desejo é a pornochanchada que se orgulha de exibir a pecha.

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Informações
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