MAM Rio 75 anos – memória e reflexão
Logo após sua fundação, em 1948, o MAM Rio assumiu como tarefa principal acolher e dar acesso à arte do seu tempo – a arte moderna –, contribuindo com seus processos de criação. Isso se traduz na relação com movimentos internacionais norte-americanos e principalmente europeus, simultânea à atenção ao modernismo brasileiro.
Em seguida, acontece a primeira exposição na sede temporária – no Banco Boavista –, dedicada à pintura europeia contemporânea (1949).
A segunda sede foi no Palácio Gustavo Capanema, em 1952, e somente em 1953 o arquiteto Affonso Eduardo Reidy começaria a projetar um museu integrado ao entorno, um “espaço fluente” que não comprometesse a relação das pessoas com a paisagem à volta.
O resultado é uma construção sem paredes internas e com paredes externas, em sua maior parte de vidro, que se tornou um ícone internacional do modernismo. O edifício foi construído em terreno aterrado junto à Baía de Guanabara, doado pela prefeitura ao MAM Rio, antes mesmo da criação do Parque do Flamengo.
O Bloco Escola foi o primeiro a ficar pronto, em 1958, e serviu como espaço misto de educação e exposições até 1967, quando o Bloco de Exposições foi finalizado.
UM CENTRO DE FORMAÇÃO
O Bloco Escola foi inaugurado no ano em que acolhe um seminário da Unesco sobre a função educativa dos museus. Essa escolha responde à aposta, presente desde a fundação do museu, em uma instituição com função eminentemente pedagógica: se o MAM Rio queria contribuir com a construção de um novo país, não poderia ser um repositório de arte, deveria ser uma escola.
Os modos de entender essa função mudaram ao longo do tempo. A tentativa inicial de fundar uma Escola Técnica de Criação segue um modelo integrador em uma perspectiva racionalista, e pretende eliminar a separação entre arte e vida. Apesar de a Escola não ser efetivada, influenciou uma série de cursos que ofereciam formações técnicas e interdisciplinares.
Com a mudança nas práticas artísticas e a implantação do regime militar nos anos 1960, a técnica dá lugar à experimentação; a formação individual se torna ação coletiva, e os espaços do Bloco Escola são em parte substituídos pela área externa do museu, adotando a cidade como lugar de liberdade e criação.
A constante, ao longo desses momentos e de programas subsequentes, é a participação dos artistas como educadores, apresentando a prática de criação como inseparável da prática educativa.
O DESIGN E O EXPERIMENTAL
O museu é um lugar definidor na história do design brasileiro. Entre as décadas de 1950 e 1970, o MAM Rio organiza exposições sobre design dedicadas a setores da indústria, à produção de diferentes países e a escolas internacionalmente renomadas, como a Bauhaus e a Escola de Ulm, que influenciaram a concepção do programa artístico e pedagógico do museu. Criado no final dos anos 1960, o Instituto de Desenho Industrial desenvolve projetos de escala nacional desde o museu.
Em 1969, sob a liderança de Frederico Morais, o programa de cursos passa por mudanças estruturais e conceituais. Além de aulas práticas, são oferecidos cursos teóricos. Os ateliês são organizados em módulos, com o objetivo de focar o potencial criativo dos participantes por meio de situações e ferramentas contextuais, em caráter de experimentação.
O resultado esperado naquele momento não era a formação de novos artistas, mas de propositores e agentes criativos. Essas mudanças relacionam-se à reconfiguração das práticas artísticas nos anos 1960 e 1970, associadas no MAM Rio ao termo experimental e ao entendimento da criação como liberdade, em que se aplicam a ideias discutidas pelos críticos de arte Mário Pedrosa e Herbert Read.
A noção de ateliê ampliado levou os processos de formação para o exterior do museu por meio de eventos como o Arte no Aterro (1968) e, em 1971, e os Domingos da criação, ativações a céu aberto realizadas com materiais trazidos pelo público ou doados por empresas e colaboradores, em abordagem participativa e experimental.
MOVIMENTOS DA ARTE
Associado à arte moderna desde sua fundação, o MAM Rio esteve ligado aos movimentos da passagem da arte moderna para o início da arte contemporânea, entre meados dos anos 1950 e a década de 1970, contribuindo para o desenvolvimento da abstração geométrica, do neoconcretismo, da nova figuração e da experimentação.
A abstração geométrica aparece em 1953 na exposição Grupo de artistas modernos argentinos (1953). Dois anos depois, acontece a mostra dedicada ao Grupo Frente, cujos integrantes estão associados ao programa pedagógico do museu.
A partir de então, o MAM Rio passa a ser palco para a construção de alianças que propõem novas definições de arte partindo da geometria e de novas concepções sobre sua relação com o mundo.
A exposição dedicada ao concretismo em 1960 é precedida, em 1959, pela primeira exposição neoconcreta, em que os artistas afirmam que a obra de arte é um quasi-corpus, que só existe por meio da relação com o público. Em 1977, a exposição Projeto construtivo brasileiro na arte destaca a especificidade do construtivismo no Brasil como fenômeno local, reconhecendo “uma vontade construtora” relacionada ao projeto fundador do museu.
Um tanto em resposta ao novo realismo europeu e à pop art norte-americana – mas adotando inflexões especificamente nacionais –, foi em meados dos anos 1960 que um grupo de artistas começa a desenvolver uma prática figurativa, engajada com temáticas apresentadas de forma explícita, em algumas ocasiões lúdica, mas também com um tom de denúncia. Muitos desses artistas participaram da exposição Opinião 65, organizada em 1965.
Nem todos os brasileiros na mostra utilizam linguagem figurativa, porém o interesse comum pelas críticas social e política, pelas imagens da cultura de massa e da vida na cidade afirma um movimento que reaparece no ano seguinte, em Opinião 66.
Nessa, intensifica-se o questionamento de linguagens, processos e formatos artísticos que se manifestariam com mais ênfase em 1967, na exposição Nova objetividade brasileira, organizada por um grupo de artistas e críticos. A mostra propõe uma junção entre práticas concretas, neoconcretas e da nova figuração, resultando em uma nova objetividade que amplia as possibilidades de engajamento com a realidade.
O CINEMA
Concebida como instrumento auxiliar de divulgação das artes modernas, a Cinemateca do MAM, como passa a ser identificada em 1956, adquire autonomia administrativa e financeira em relação ao museu e é apropriada pelo mundo do cinema brasileiro.
Isso explica sua influência em momentos históricos, como os do cinema independente dos anos 1950, do Cinema Novo, da Geração 1968, os períodos Embrafilme, do Cinema da Retomada e do novíssimo cinema brasileiro dos anos 2000.
Atualmente, a Cinemateca do MAM promove exposições, debates e encontros, além de oferecer apoio nacional e internacional a mostras e retrospectivas, principalmente sobre cinema brasileiro.
O INCÊNDIO DE 1978
Em julho de 1978 o incêndio que atinge o Bloco de Exposições destrói 585 obras, aproximadamente a metade do acervo, além da totalidade da biblioteca. Também são destruídas cerca de oitenta obras de Joaquín Torres García, expostas em mostra individual.
O acontecimento marca não só a história do museu como a história cultural do país. Uma semana depois, uma manifestação reúne mais de três mil pessoas nos pilotis, incluindo artistas, estudantes, intelectuais e representantes de instituições culturais.
Manifestos propõem visões sobre o futuro do museu e demandam um processo de reconstrução que inclua a diversidade dos agentes culturais que com ele contribuem.
Em 1980, o Comitê Permanente para Reconstrução do MAM Rio publica o documento “Por um MAM para a cidade do Rio de Janeiro”, propondo uma revisão dos estatutos da instituição, que passa a incorporar artistas e agentes culturais em sua gestão para garantir um museu que responda às necessidades da cidade e de suas dinâmicas.
Após 40 anos do incêndio, o MAM Rio aproveita para divulgar números mais precisos sobre o este acontecimento. Até hoje, acreditava-se que 90% do acervo havia sido perdido, porém após pesquisa iniciada em 2015 pela Gerência de Museologia do MAM Rio, foi concluído que 50,8% das 1.150 obras existentes até 1978 foram atingidas pelo incêndio. Foram salvas principalmente obras em papel (gravuras e desenhos) e esculturas, sendo o acervo de pintura o mais atingido.
A pesquisa, ainda em andamento, visa também levantar as imagens das obras perdidas e para isto tem consultado arquivos, bibliotecas, artistas, fundações e museus para tentar identificá-las. Caso alguém possua alguma imagem de época de exposições do acervo ocorridas na instituição, a Museologia solicita que entre em contato com a área em [email protected].
EXPOSIÇÕES COMEMORATIVAS
Celebramos os 75 anos do museu com a mostra museu-escola-cidade: o MAM Rio em cinco perspectivas, que abre em 27 de maio de 2023. Com cerca de 500 itens, entre obras e documentos, propõe um exercício de memória a partir dos cinco eixos temáticos que foram fundamentais para sua história. E com a exposição documental MAM Rio: origem e construção, que inaugura em julho e está dedicada à idealização e às bases do museu.