Homenagem a Fontana

Pesquisa na coleção do MAM Rio e a obra de Nelson Leirner

VERONICA CAVALCANTE
FÁTIMA NORONHA

Homenagem a Fontana, 1967, tecido e zíper, 181 x 126 x 3 cm.
Doação do artista. Coleção MAM Rio. Foto: Jaime Acioli

Homenagem a Fontana, 1967/2013, tecido e zíper, 183 x 127 x 3,3 cm. Coleção MAM Rio. Réplica feita pelo artista com apoio do Edital Pró-Artes Visuais, 2012. Foto: Jaime Acioli

O trágico incêndio que atingiu o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 8 de julho de 1978 causou perdas irreparáveis na sua coleção de arte e também grandes prejuízos ao edifício. O fogo atingiu o Bloco de Exposições e destruiu mostras temporárias que estavam em exibição na ocasião, assim como metade das obras do acervo do museu.

Em pesquisa realizada pelo Departamento de Museologia entre os anos de 2015 e 2018, chegou-se à conclusão de que na época a coleção era formada por cerca de 1.150 obras e destas, 50,9% foram destruídas completamente. Esta pesquisa revelou ainda que a informação veiculada na época, e que perdura até os dias atuais, de que a perda havia sido de cerca de 90%, era equivocada.

Das obras danificadas pelo fogo, várias foram restauradas na época e algumas perduraram guardadas até recentemente, na expectativa de que o desenvolvimento e até novos procedimentos de restauração surgissem com o tempo. Entre essas obras, se encontrava a tela de Nelson Leirner “Homenagem a Fontana”, doada pelo artista, que faleceu em 2020. 

“Homenagem a Fontana” faz parte de uma série de múltiplos criados por Nelson Leirner em 1967 e que foi premiada na Bienal de Tóquio do mesmo ano. A série é composta por três versões, que se utilizam de materiais simples como tecido em lonita de algodão e zíper, e que à época dava oportunidade ao público de interagir. Ao serem abertas, revelam-se novas camadas internas da obra com outras cores e outros zíperes. 

 A primeira versão, no formato retangular vertical, apresenta um corte no tecido em diagonal fechado por zíper; o segundo modelo, o qual o MAM possui exemplar, também no mesmo formato, mostra uma divisão horizontal central delimitada pelo zíper, que ao ser aberto, se descortinam várias possibilidades de composição devido a camada inferior também possuir zíperes e tecidos em cores diferentes.  O terceiro modelo se diferencia por apresentar na área central, o corte na forma circular, também fechado por zíper sobre tecido em outras cores.

Pela natureza de sua manufatura, entendemos que a mesma pudesse ser refeita pelo artista. Deste modo, a réplica foi realizada em 2013, sob orientação do artista, dentro de um projeto maior de recuperação de obras danificadas pelo incêndio e que contou com o patrocínio do Programa Pró-Artes Visuais da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Esse  projeto de restauração, especialmente desenvolvido no MAM para uma parte do acervo que existia à época do incêndio, foi contemplado pela importância do resgate histórico e valor artístico do conjunto. 

Com relação a obra de Nelson Leirner, que se encontrava semidestruída pelo incêndio, foram alguns entendimentos técnicos com a curadoria e desta com o próprio artista, que tornou essa ideia de resgate viável e a possibilidade de ser integrada ao projeto. Nelson aceitou o diálogo de recuperar a obra, que não poderia ser uma restauração dado o seu modo de execução.  Aqueles materiais que constituíam a obra original não existiam mais: o tipo de tecido, as cores, o estilo do zíper, até mesmo a moldura em alumínio. A obra continuaria queimada, contudo, por ser um múltiplo em sua essência, caberia a ideia da réplica, com materiais similares e com as mesmas medidas da original.  Por ser uma réplica, a obra nova possui duas datas – a da criação e a da execução posterior, 1967/2013.

Em algumas ocasiões as duas obras – a semidestruída e a nova – foram exibidas juntas, mas isto não é uma exigência do artista conforme o próprio esclareceu anos depois.

Somente com o aval e o gerenciamento do artista sobre a obra, tornou-se viável sua execução; caso ele não tivesse interesse, nada seguiria adiante.  Graças ao entendimento, total colaboração e ao envolvimento pessoal desse grande artista pelo inédito projeto, o MAM pode “reaver” esta obra emblemática. Obrigada, Nelson!


Veronica Cavalcante é coordenadora de Museologia e Fátima Noronha é conservadora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.


Fontes

RESTAURAÇÃO de parte da Coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro anterior a 1978/ Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:  Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2014.

CALAÇA, Claudia. Relatório parcial sobre a pesquisa e levantamento de obras destruídas no incêndio de 1978. [documento interno], abril, 2018.

Fundación Malba – Colección Online: Nelson Leirner.

Silva, Vitor Marcelino da. Desvios de linguagem: as contribuições de Rubens Gerchman e Nelson Leirner para a prática de apropriação de imagens na arte contemporânea no Brasil. Dissertação para o título de mestre. Universidade Federal de Uberlândaia, 2012.

SESCTV. Vídeo “O mundo da arte”. 23’34”.


Links relacionados

Conheça a biografia do artista e outras obras suas que estão no acervo do MAM Rio na página Nelson Leirner.

Conheça o projeto Restauração de parte da coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro anterior a 1978, realizado pelo MAM Rio de 2012 a 2014. PDF disponível.

Assista abaixo a entrevista de Nelson Leirner sobre “Homenagem a Fontana”, em vídeo do Prêmio Pipa, de 2014.



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