Há cem anos, acontecia a Semana de Arte Moderna e o Brasil discute agora sua relevância, seus desdobramentos e seu legado. O evento aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, organizado por um grupo de intelectuais e artistas por ocasião do centenário da Independência.
Com sua pauta de rompimento com o academicismo e com o tradicionalismo, a Semana de 22 é considerada o marco inicial do modernismo brasileiro.
Na abertura, espalhados pelo saguão do teatro estavam trabalhos de Anita Malfatti (1889-1964), Emiliano Di Cavalcanti (1897- 1976), John Graz (1891-1980), Martins Ribeiro (1922-2013), Ferrignac (1892-1958), Hildegardo Veloso (1889-1966), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Victor Brecheret (1894-1955), W. Haerberg (1891-1986), Yan de Almeida Prado (1898-1991) e Zina Aita (1900-1967), muitas vezes sob influência das vanguardas europeias como futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo e expressionismo.
Capa do catálogo da Semana de 22 e cartaz do evento, ambos criados por Di Cavalcanti.
NAKOADA: 1922/2022
À luz dessa efeméride, o MAM Rio anuncia a exposição “Nakoada”, com curadoria de Denilson Baniwa e Beatriz Lemos. Mais do que adotar uma posição crítica de narrativas estabelecidas e procurar correções ou revisões, a exposição pretende apresentar pontos de partida alternativos para pensar o que poderia ser uma produção artística que se engaja com alguns dos ideais modernos, mas que escapa de suas armadilhas.
“A mostra pretende somar às atuais discussões que visam a leitura histórica dos discursos de legitimação e centralidade de um ideal modernista no país, cuja construção insiste na invisibilidade de pessoas, criações e narrativas localizadas fora dos grandes centros e originárias de outras visões de mundo”, afirma Beatriz Lemos, curadora adjunta do MAM Rio. “Buscamos, por um lado, evidenciar os mecanismos de estratificação cultural exercidos pelos eixos geográficos de poder, e, ao mesmo tempo, afirmar a existência de outras experimentações e criações ocorridas no mesmo período ou até mesmo muito antes do inventado marco moderno, em temporalidades que escapam à história linear das vanguardas. Importante salientar o quanto de saqueio cultural e subalternização intelectual das culturas tradicionais, regionais, indígenas e afro-brasileiras, e das regiões fora do eixo Rio-SP o modernismo se edificou”, prossegue a curadora.
Para apresentar essas perspectivas, o MAM Rio convida o artista e designer Denilson Baniwa para a co-curadoria de “Nakoada”. Um dos principais nomes da arte indígena contemporânea e do campo de suas articulações por meio da arte e da comunicação, em sua pesquisa ele procura evidenciar algumas das contradições que balizam o percurso das histórias da arte, especialmente o do modernismo brasileiro e de sua dívida às cosmologias indígenas.
Nakoada é parte do conjunto de éticas de guerra Baniwa. Em seu vasto campo de significados, Nakoada seria o estudo e profundo entendimento de outra cultura para exercer a habilidade de capturar conhecimentos não-indígenas e construir narrativas que sejam radicais na continuidade da vida e dos saberes indígenas. “Em outras palavras, uma contra-antropofagia ou re-antropofagia”, explica Beatriz Lemos.
A exposição acontece de 9 de julho de 2022 a 29 de janeiro de 2023, contando com projetos comissionados de artistas contemporâneos e um recorte das principais obras modernistas presentes nas coleções do MAM Rio.
Artistas da Semana de 1922 nas coleções do MAM Rio
Anita Malfatti (1889-1964)
Índia, 1917
pastel sobre papel
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Filha de mãe americana e pai italiano, Anita Malfatti já havia estudado em Berlim, Paris e Nova York quando fez sua primeira individual em São Paulo, em 1917, mostrando 28 pinturas, das quais duas fazem parte da coleção do MAM Rio.
Junto com outras 10 obras, “O Farol” (1915) está em comodato no MAM Rio desde 1993, e é parte da Coleção Gilberto Chateaubriand. “O Barco” (1915), óleo sobre tela de 41 x 46cm, entrou na Coleção do MAM Rio em 1988, em doação da White Martins, e recentemente foi exposta na coletiva “A memória é uma invenção”.
A Japonesa, 1924
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Restaurado com apoio da Fundação Vitae, 2001
O Farol, 1915
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
O Barco, 1915
óleo sobre tela
Coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – Patrocínio White Martins
Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976)
Mesa de bar, 1929
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Retrato de Maria Cavalcanti
O artista, caricaturista, jornalista, escritor e cenógrafo carioca Emiliano Di Cavalcanti foi o idealizador e principal organizador da Semana de Arte Moderna. Além de ter assinado o cartaz e a capa do catálogo da Semana de 22, expôs 12 obras no evento.
No acervo da Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio estão 23 obras do artista.
Mulata com leque, 1937
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Restaurado com apoio da Fundação Vitae, 2001
Moças com violões, 1937
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Restaurado com apoio da Fundação Vitae, 2001
Mulheres de pescadores, 1963
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Restaurada com apoio da Fundação Vitae em 2001
John Graz (1891-1980)
O pintor nasceu em Genebra, onde estudou arquitetura, decoração e desenho. Conheceu a brasileira Regina Gomide, sua colega no curso de Belas Artes, com quem se casa e se muda para São Paulo, em 1920. Enturmado com os amigos modernistas de Regina, foi convidado por Oswald de Andrade para a Semana de 1922, onde exibiu oito telas.
Duas obras do artista integram a Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio.
Salão de Festas Suíça, 1930
guache e nanquim sobre papel
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Vaso de flores, c.1930
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Vicente do Rego Monteiro (1899-1970)
Adoração dos Reis Magos, 1925
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Pernambucano, mudou-se para Paris com a família aos 11 anos, onde estudou arte e passou a ter contato com artistas como Modigliani, Léger, Braque e Miró. Em 1920, expôs pela primeira vez em São Paulo, onde conheceu Di Cavalcanti, Anita Malfatti e Victor Brecheret. No ano seguinte estava de volta a Paris, e suas obras, que estavam com o crítico, poeta e colecionador Ronald de Carvalho, foram levadas sem sua autorização formal para a Semana de Arte em São Paulo.
Treze obras do artista estão na Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio.
Guerreiro, vagalume, indiozinho e Caititu, 1920
aquarela sobre papel
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Explicações, 1921
aquarela e nanquim sobre papel
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Adoração dos Reis Magos, 1925
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Retrato de Ronald de Carvalho, 1921
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Vaso de flores, 1930
óleo sobre tela
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Lendas indígenas da Amazônia, 1920
aquarela sobre papel
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Victor Brecheret (1894-1955)
Mulher, 193-
mármore
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
O Beijo, 1930
bronze
Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio
Nascido em Farnese, na Itália, Brecheret ficou órfão de mãe aos 10 anos e com seu tio imigrou para São Paulo. Em 1913, viajou para Roma para aprender escultura e, depois de cinco anos em contato com as vanguardas artísticas, voltou ao Brasil. Em 1920, conheceu Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia. Brecheret estava em Paris, tendo aulas com Brancusi, durante a Semana de Arte Moderna, mas foi o autor de 12 das 17 esculturas expostas no evento.
Três obras do artista integram a Coleção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; outras duas a Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio.
Daqui até a abertura da exposição, publicaremos semanalmente obras de artistas presentes nas coleções do MAM sob o arco do modernismo brasileiro e internacional, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret.